Renato Benvindo Frata
Ao que me lembre, minha mãe possuía quatro elementos de educação que usou em meus irmãos e claro, em mim. Não era o lápis, o apontador, o caderno, a régua e nem o esquadro. Era uma cinta velha de couro, dependurada num prego próximo sua máquina de costura, a indefectível pá de polenta usada diariamente para nossa refeição básica e dois pares de chinelos: um de couro, para as lides no quintal, e um de pano, que era usado dentro de casa.
Assim ela nos criou na ausência do pai que viajava vendendo coisas e demorava em média, vinte e cinco dias para voltar, ficar uma semana e retornar à lide por igual período.
Minha lembrança não alcança as surras nos meus irmãos, mas as minhas ainda se encontram registradas na bunda, nos braços, nas mãos, quando apareci com um objeto que não era meu. Mas quero falar dos chinelos, objetos que ela mais usava depois da pá de polenta.
O de couro era aplicado para o malfeito maior, a má-criação com vizinhos e os bilhetes negros da professora, enquanto o de pano (que não machucava), era para coisas menores, uma resposta mal dada, um grito fora de hora, uma camisa rasgada, a perna lanhada de espinho, ou a quebra de algum objeto por falta de atenção nas correrias da sala para a cozinha, quartos e puladas de janela nas brincadeiras de pega-pega.
Nesse caso, a surra com o de pano valia pelo ato em si a nos lembrar que embora o utilizasse sem ferir, havia o de couro ali pertinho, a servir de complemento se precisasse.
Por isso aprendi que chorar ao menor toque de chinelo de pano, valia por uma surra enorme… embora quase não o sentisse nas pernas e na bunda, mas respeitava – naquele instante – a sua razão, sua raiva e sua sabedoria. Não é a força e nem a dor que educam, é o exemplo.
Lembrando-me agora desse tempo, me vejo prendido pelo punho em sua mão enquanto a outra executava o castigo, e sinto até uma certa saudade. Saudade de seu contato, de seus olhos entristecidos, de sua boca sem batom e o vestido de florzinha; das coisas boas que ela insistia com a voz embargada a nos enfiar na cabeça de moleque agitado, peralta e sem compostura, dos exemplos por ela citados, das comparações que fazia entre nós e os outros, da educação de fulano e beltrano, etc. e até de cicrano que fora preso por ter roubado uma bezerra. Onde já se viu, onde já se viu esse desconjuro? Onde o mundo vai parar? Questionava.
Claro que as lembranças são fabricadas pela máquina que consegue nos devolver ao passado pelas memórias, e sorte que assim se dá, pois se lembrar é viver pela segunda vez, os chinelos dela ganham a sobrevida que ela, de verdade, deveria ter tido, mas que se transformou pela saudade em perda sempre lembrada ficando em nós como, digamos, um paraíso perdido que sabemos existir, porém, não lhe conseguimos descobrir o caminho para encontrá-lo; a não ser pelas as fotos que paralisam o tempo a transformar em gratas recordações de nos fazem sorrir, ou chorar.