Fone no ouvido, livro no colo. Quando a professora Lília Melo, de Belém do Pará, percebeu que aquele aluno parecia tão disperso do que ela estava ensinando, ficou incomodada. Afinal, a postura adotada por ele era totalmente oposta ao que ela pedia à turma: “estudem pelo menos uma hora por dia em um ambiente silencioso, com livro e caderno em cima da mesa”, costumava repetir em sala de aula. Como o aluno em questão era considerado uma liderança negativa por outros professores, ela decidiu investigar. Foi até a casa em que ele vivia com a mãe, feirante, o pai, dependente químico, e alguns irmãos, um deles, autista. À margem de um rio, a estrutura precária se equilibrava com dificuldade e não contava com vários móveis, nem mesmo uma mesa.
Ali, no ambiente em que aquele aluno vivia, Lília compreendeu algo fundamental: os fones no ouvido e o livro no colo não eram um desafio à autoridade da professora ou um desleixo em relação ao conteúdo, mas a forma que ele encontrara para conseguir se concentrar no que precisava aprender. Dessa compreensão parte o fio condutor da chamada Pedagogia da Paz. “Para pensar em cultura de paz, precisamos pensar em qual o entendimento de paz em diferentes territórios, inclusive nos territórios periféricos. Aquele meu aluno vinha de uma cultura em que todos ouvem música alta e eu queria que ele estudasse em silêncio”, exemplifica Lília, que foi finalista do Global Teacher Prize 2020, um reconhecimento ao trabalho que ela desenvolve no combate à evasão escolar e à violência na periferia da capital paraense.
Fundamentada nos estudos de Paulo Freire, a Pedagogia da Paz é uma maneira de acolher as dores dos estudantes e encontrar caminhos que possibilitem a potencialização do aprendizado e das relações interpessoais em diferentes contextos. Para Angela Biscouto, coordenadora pedagógica do Sistema de Ensino Aprende Brasil, que atende a rede pública municipal de mais de 200 municípios em todo o país, é preciso reconhecer que há muitas realidades que formam as redes de ensino brasileiras. “Reconhecer e respeitar cada uma delas é o ponto de partida para a construção de uma Educação com mais equidade. Falamos, aqui, de uma Educação que considere os contextos em que cada um desses estudantes vive, que encontre caminhos e possa levar a eles propostas que dialoguem com esses contextos”, diz.
A paz não é um lugar – Existem muitas formas de exterminar uma comunidade. Não é preciso que isso seja feito apenas pela violência física, com tiros, tapas e outras agressões. Matar os sonhos também é uma forma de extermínio e a Pedagogia da Paz ajuda a permitir que os estudantes encontrem seu lugar no mundo, que possam ser respeitados por aquilo que são”, esclarece Alessandra Gaidargi, pós-doutora em culturas de paz e autora do livro “Pedagogia da Paz”.
Ela lembra que a paz não é um lugar e que não há apenas um conceito que a define. Não se pode, portanto, educar para a paz, porque não há uma paz única. Cada comunidade tem um conceito e se relaciona com a paz de uma forma diferente. O respeito às complexidades dos estudantes e a construção de um diálogo entre a escola e a comunidade é que trarão formas de se fazer entender para além da violência. “Esses são processos de uma cultura de paz. Não existe uma escola em paz, mas podemos construir uma realidade em que educamos em paz”, finaliza Alessandra.
A Pedagogia da Paz é o tema do episódio 32 do podcast PodAprender, com Alessandra e Lília. Todos os episódios do PodAprender estão disponíveis no site do Sistema de Ensino Aprende Brasil (sistemaaprendebrasil.com.br), nas plataformas Spotify, Deezer, Apple Podcasts, Google Podcasts e nos principais agregadores de podcasts disponíveis no Brasil.