*Marcus Vinícius Gonçalves e Fábio Maranesi
Dada a premência de se aprimorar o sistema tributário nacional, complexo, anacrônico e permeado de desigualdades, é importante priorizar a tramitação das propostas sobre o tema no Congresso Nacional. Para isso, é preciso encontrar meios para solucionar os fatores que podem impedir as votações, dentre eles a falta de consenso entre o Executivo e o Legislativo, os interesses conflitantes dos entes federativos e o calendário eleitoral.
Cabe lembrar que há quatro principais iniciativas em discussão: duas mais restritas, tratando apenas de tributos federais, e outras duas mais amplas, englobando também tributos de competência dos estados e municípios. O Projeto de Lei (PL) 2337/2021 é a mais recente delas e propõe alteração das regras atinentes à tributação da renda de pessoas físicas e jurídicas. O texto foi enviado em junho de 2021 pelo governo e aprovado com diversas emendas pela Câmara dos Deputados. Atualmente, está em tramitação no Senado, sob a relatoria do senador Ângelo Coronel (PSD-BA).
Mesmo tratando de alterações menos complexas, essa proposta começa o ano enfrentando sérias barreiras, pois seu relator já sinalizou ter posições diametralmente opostas às originalmente defendidas pelo Executivo. Ele afirmou que, a depender dele, a tributação de lucros e dividendos não seria aprovada. Caso seja, apenas se acompanhada de maior redução da alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, além da retirada do texto do adicional de 1,5% da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).
O projeto, se alterado pelo Senado, terá de ser novamente votado na Câmara. Mas, no cenário atual, é provável que os deputados não coadunem com as modificações, retardando o processo e praticamente inviabilizando a aprovação e sanção até o final do ano para vigência em 2023, considerando a aplicação do princípio da anterioridade para as hipóteses em que houver aumento ou instituição de tributo. Assim, se as discussões extrapolarem 2022, as novas regras valerão apenas em 2024.
Ainda dentro do espectro das reformas mais restritas, há o PL 3887/2020, prevendo a criação da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), que substituiria a contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). A proposta é que o novo tributo funcione como um Imposto de Valor Agregado (IVA) de cunho federal, com possibilidade de utilização ampla de créditos e alíquota única de 12%, com poucas exceções.
Tal como ocorre com a proposta para o Imposto de Renda, esse projeto também enfrenta diversas críticas por parte da sociedade. Os questionamentos dizem respeito à perspectiva de haver aumento significativo da carga tributária de alguns setores da economia, à percepção de que o ganho em termos de eficiência e a desburocratização do sistema tributário seriam tímidos demais e ao fato de que, ao fim e ao cabo, a iniciativa não teria atacado a questão mais iminente: a complexidade e distorções inerentes ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), de competências estadual e municipal, respectivamente.
Todas essas questões, que geraram intensa reação negativa da iniciativa privada, suscitam ceticismo quanto ao avanço do projeto. Atualmente, a matéria aguarda a constituição, na Câmara dos Deputados, da Comissão Especial destinada a analisá-la.
As propostas amplas, por sua vez, foram apresentadas por meio da PEC 45/19, da Câmara dos Deputados, e a da PEC 110/19, do Senado. Ambas melhorariam e simplificariam o modelo, mas, como alteram a Carta, exigem aprovação qualificada de dois terços, em dois turnos de votação, em cada uma das casas do Congresso, o que é sempre um grande desafio.
Justamente por serem proposições abrangentes, tendo em vista que compreendem não apenas o PIS e a COFINS, cobrados pela União, mas também tributos que afetam diretamente estados e município, a trilha a ser percorrida para se atingir o consenso será muito mais tortuosa.
Há muitas assimetrias decorrentes da estrutura adotada para a cobrança desses impostos. Muitas vezes, isso faz com que as empresas organizem seus negócios com base na otimização da carga tributária, como, por exemplo, com foco na utilização de incentivos fiscais concedidos como forma de atrair investimentos. Isso retroalimenta a chamada “guerra fiscal”. Achar um ponto de equilíbrio que satisfaça minimamente todas as partes envolvidas é o maior desafio.
Em que pese essas dificuldades, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e o da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (DEM), vêm demonstrando disposição de fazer a PEC 110/19 tramitar. Assim, com base no cenário atual, a tendência é que a PEC 110/19 tenha mais chances de avançar, possivelmente, incorporando alguns aspectos que constam da PEC 45/19.
No primeiro mês de 2022, novos ingredientes aumentaram um pouco mais a fervura desse debate, a começar pelo convite oficial ao Brasil para ingressar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as nações mais desenvolvidas. Ocorre que, para dar prosseguimento ao processo, nosso país precisará alinhar-se às normas políticas e boas práticas da entidade, o que inclui a simplificação do sistema tributário.
Outro fator é que a arrecadação federal subiu 17,36% em 2021, atingindo o patamar recorde de R$ 1,8 trilhão. A reforma não tem por único propósito diminuir a carga tributária, mas é certo que corrigirá distorções e eliminará o atual fardo burocrático. Isso, no longo prazo, também poderá proporcionar algum alívio financeiro — direto ou indireto — ao contribuinte.
Em meio a todo esse cenário, é premente encontrar meios que possibilitem o avanço da reforma. Afinal, não há dúvidas quanto à necessidade de diminuir a complexidade e ineficiência do sistema brasileiro, que resulta em ineficiência e acarreta a perda de investimentos para economias com sistema jurídico e tributário mais alinhado às necessidades dos negócios.
*Marcus Vinícius Gonçalves é sócio-líder de Impostos da KPMG no Brasil e na América do Sul e Fábio Maranesi é sócio-líder de Impostos Diretos da KPMG no Brasil