Uma sensação estranha senti. Parecia um risco a sulcar meus olhos ferindo-os e, mesmo tendo baixado instintivamente as pálpebras, lágrimas vazaram. Rápidas, as mãos se assoberbaram em socorro; não para as enxugarem, mas como alívio, e ficaram assim, dormindo sobre eles um sono leve, aquecendo-os, acarinhando-os de manso como fazem mãos de mães nas machucaduras dos filhos; com elas, se sabe, não há dor que não se cure. E assim aconteceu, talvez pelo calor emanado, talvez pela compressão que o tenha possibilitado, talvez a junção de ambos surtiu o efeito, e logo a dor amainou e as lágrimas secaram.
Foi, eu sei, um relance apenas, um acontecimento banal provocado talvez por pequeninos ciscos que o vento resolveu colocar de uma só vez, em meus olhos. Ou um ferimento com algo pontiagudo que não defini, um espinho, um lápis, não saberia dizer, mas, com calor nos pés e dor nos olhos, fiquei.
O ‘talvez’ posto na questão, como se viu, não responde a tudo. Talvez é incerteza, possibilidade e esse acontecimento, o que seria? Haveria o porquê desse risco ferir a ponto de me fazer chorar? Sim, o traço que me atingiu nas escleróticas provocando essa dor, o que seria?
Se da dúvida nasce a certeza, essa devia ser pesquisada e, cá, com os meus botões, no silêncio que a solidão imprime e na segurança de uma sala melancólica, mantive os olhos cerrados para que pudesse enxergar o meu eu. Talvez ele tivesse a resposta, eis que haviam questões pendentes. Por que senti dor e chorei involuntariamente? Com essas perguntas girando e enxergando-me, eu vi que dentro de mim havia movimento. Era o coração que pulsava embalado na própria música, o sangue bombeando os pulmões que se ligavam ao nariz e à boca e, vejam: até meus intestinos, agitados, tratavam das contrações peristálticas provando que aquele conjunto em movimento, era a vida vivendo em mim, por mais que às vezes, me sentisse morto.
Claro! – Como sou idiota: a dor nos olhos é sinal de vida. Mesmo que relute entendê-la. Mas, quem o teria provocado tanta dor?
O silêncio virou reticências…
E outro talvez. Ou tantos que compõem esse tango que me leva a ensaiar passos coreográficos na caminhada da vida. Como resolver essas questões?
Conjecturando, enchi uma taça. Não era hora, sabia, de mantê-la na mão. Ou era? É que depois do primeiro gole, a mente se abre ao frescor do vinho e, com ele, o discernimento.
A dor nos olhos, como uma ponta o riscando, seria apenas o recado da própria dor que mora há muito comigo; e que veio lembrar que guarda em si um grande estoque de ais sendo gastos nessa minha dança quando se transformam em lágrimas, e escorrem quais pingentes amornados pelo rosto.
Crônica “premiada no Concurso Literário 2023 de Assis Chateaubriand”