*Daniel Medeiros
Porque não há outra coisa mais importante a fazer do que dividir com crianças e jovens ideias e ferramentas de construção de uma utopia de país melhor. E é na escola – o espaço de construção e de formação dos hábitos da cidadania – o melhor lugar e tempo para fazer isso. O professor, como lembrava a filósofa Hannah Arendt, é o adulto responsável por apresentar o mundo às crianças e aos jovens, e por dizer o que é importante manter e o que é interessante mudar. Dizer não no sentido de ordenar, doutrinar, como gostam de falar hoje em dia.
Dizer para que as crianças ouçam alguém que já está aqui há bastante tempo dando um testemunho de sua experiência no mundo. Esse é, aliás, o sentido que Hannah Arendt dá ao termo responsabilidade. Para ela, muito adulto se faz professor achando que precisa apenas transmitir conteúdos e não testemunhos; que basta repetir o que a humanidade produziu nos últimos séculos, mas não tomar posição em relação a isso, como se as crianças fossem capazes de aprender como uma tábua rasa, sem referência ou sem o compromisso dos que estão aqui. Não. O papel do professor é, antes de tudo, ser o adulto que insere os novos na nave chamada mundo, apontando os instrumentos de navegação, os cursos possíveis e os riscos inerentes, além das limitações da máquina e suas virtudes incomparáveis. Também cabe ao professor navegar na frente dos alunos, mostrar que tudo o que ensina ele também aprendeu e que, se hoje tem proficiência, houve tempo em que sua mão também tremia e ele também cometia erros, mas, por sorte, teve um professor, um adulto responsável que mostrou a ele o que deveria fazer e o que poderia inventar depois de saber o que deveria fazer. E só assim, respeitando o que existe e sabendo que tudo pode ser mudado – e até fundado de novo, reinaugurado sob nova direção – é possível ter confiança em um mundo melhor. Confiança é diferente de esperança.
Com esperança, torcemos que algo aconteça e então esperamos, cheios de medo, que é o sentimento de que algo pode ocorrer como não desejamos. Na confiança – laço construído entre as pessoas – dividimos a fé de que, não importa o que aconteça, continuaremos firmes no nosso propósito de viver melhor.
Ser professor é compreender essas tarefas e exercê-las como quem veste uma segunda pele. Não como sacrifício ou como missão, como é comum dizer, equivocadamente. O sacrifício é uma negação do desejo, e ser professor é uma das coisas mais prazerosas que existem; a missão é uma tarefa auto imposta, como o pagamento de algo ou por algo que se espera receber em troca. Não. Ser professor é um ato político, no sentido grego do termo: um encontro entre pessoas iguais em direitos, em um espaço de liberdade com responsabilidade – no qual a voz é o guia e a garantia da não violência -, a memória das experiências vividas, o menu de ações conjuntas e a confiança em um mundo melhor – cuidando do que é bom e mudando o que pode ser melhor – o propósito mais importante.
Tudo isso pode estar distante da realidade brasileira, que é sempre um retrato do momento. Como uma nuvem no céu. Ser professor é ter a capacidade de soprar, dando vida a propósitos desejados. Não negar essa possibilidade e não fugir dessa responsabilidade parece ser o que melhor nos define.