Patrícia Carla de Oliveira (*)
As mulheres são as principais usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de terem maior expectativa de vida que os homens, descobrem doenças e recebem diagnósticos com mais frequência que eles, sendo essa vulnerabilidade mais relacionada à situação de discriminação na sociedade do que a fatores biológicos. As mulheres são cuidadoras, não só dos filhos, mas de outros membros da família, da casa e da comunidade, sendo sobrecarregadas pelas altas jornadas de trabalho, poucas vezes bem remuneradas. Outras variáveis como raça, etnia e situação de pobreza realçam ainda mais as desigualdades, fazendo com que a saúde das mulheres tenha ficado, historicamente, em segundo plano.
Apenas nas primeiras décadas do século XX, a saúde da mulher foi incorporada às políticas públicas no Brasil e até a década de 70 estiveram limitadas às demandas relativas à gravidez e ao parto, com base no seu papel social de mãe e doméstica. Em 1984, o Ministério da Saúde elaborou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), que propunha em suas diretrizes a assistência à mulher em clínica ginecológica, no pré-natal, parto e puerpério, no climatério, em planejamento familiar, ISTs, câncer de colo de útero e de mama.
Apenas em 2001, o Ministério da Saúde ampliou as responsabilidades dos municípios na atenção básica à saúde da mulher e, ainda assim, várias lacunas são apontadas em relação à assistência para infertilidade, saúde da mulher na adolescência, doenças crônico-degenerativas, saúde mental, doenças infectocontagiosas e a inclusão da perspectiva de gênero e raça nas ações a serem desenvolvidas.
Nesse contexto, o gênero continua sendo um determinante social da saúde, assim com os efeitos da covid-19 no aumento das demandas em atividades de gestão e tarefas, além do aumento dos casos de violência doméstica durante o isolamento social, exemplificam de forma mais atual os riscos de elevação da pressão arterial e doenças cardiovasculares, alterações cerebrais e hormonais, diminuição do sono, distúrbios de humor, ansiedade e depressão nas mulheres.
Salienta-se que saúde e bem-estar, bem como a igualdade de gênero, são Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Agenda 2030, compromisso firmado pelo Brasil. O fato é que, mesmo com todo o desenvolvimento da Medicina, poucos profissionais brasileiros estão preparados para lidar com a saúde da mulher em toda a sua trajetória, especialmente em diagnósticos referentes à esfera psíquica e suporte psicológico.
Mais ainda, algumas decisões importantes como a escolha de um método contraceptivo de longa duração, como o dispositivo intrauterino (DIU) ou a laqueadura, são processos desgastantes que envolvem a decisão do companheiro e não apenas da mulher, que não tem o poder de escolha sobre algo que envolve sua saúde.
Desse modo, é necessário intervir no modelo vigente de atenção à saúde das mulheres, visando um atendimento mais justo, humano, eficiente e eficaz, em que a integralidade e as questões de gênero sejam incorporadas como referências na formação dos profissionais que atendem a esse grupo populacional e podem intervir positivamente. Dentro dessa realidade, o SUS poderá propiciar um atendimento que reconheça, dentre os direitos humanos das mulheres, o direito a um atendimento realmente integral a sua saúde.