VINICIUS SASSINE
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Eduardo Fortunato Bim, assinou um despacho no último dia 21 em que anula etapas de processos de infração ambiental e amplia as possibilidades de prescrição das multas aplicadas a pessoas e empresas que cometem infrações ambientais.
Bim, que chegou ao cargo pelas mãos do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, considerou inválida a notificação de infratores por edital para a apresentação de alegações finais nos processos, nos casos em que seria possível localizar os autuados.
Em nota, o Ibama disse que o entendimento adotado no despacho “incorpora a jurisprudência dos TRFs (Tribunais Regionais Federais) da 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Regiões, bem como do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e da AGU (Advocacia-Geral da União)”.
A medida repete o modo de atuação que fez Bim ser afastado do cargo, em 2021, pelo STF (Supremo Tribunal Federal), no âmbito da operação Akuanduba.
O modelo sugerido pelo seu ex-chefe, numa reunião ministerial em abril de 2020, era o de “passar a boiada”. “Precisa haver um esforço nosso aqui, enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, disse Salles na ocasião.
No novo despacho, obtido pela Folha, o presidente do Ibama, mais um vez, muda normas infralegais e impõe a anulação de notificações por edital e dos atos processuais posteriores, que passam a ser inválidos para interromper a prescrição dos autos, como consta no documento.
Assim, processos deverão prescrever, que é quando a punição deixa de ser aplicada em razão da perda de prazos processuais.
Antes, Bim suspendeu os efeitos de uma instrução normativa que previa a necessidade de emissão de autorização de exportação para a remessa de cargas de madeira nativa para o exterior.
Segundo a PF, essa mudança teria facilitado o contrabando de madeira explorada ilegalmente. O despacho do presidente do Ibama foi o alvo central da Operação Akuanduba.
Técnicos do Ibama apontam que o novo despacho de Bim deve ter efeito sobre milhares de processos. O próprio presidente do órgão afirmou, no documento, que a maioria das unidades do Ibama adotou como prática a intimação por edital para as alegações finais.
O novo entendimento contraria um parecer da PFE (Procuradoria Federal Especializada) do Ibama vigente desde 2011, que diz que a apresentação de alegações finais a partir de notificação por edital não afronta artigos da lei que regula o processo administrativo na esfera pública federal.
O presidente do Ibama afirmou no despacho que, desde 1997, o STF (Supremo Tribunal Federal) “rechaça” intimação por edital em processo administrativo sem que o interessado esteja em lugar incerto e não sabido. Bim, porém, diz que a decisão do Supremo se refere ao ato inicial, que é a citação. Para ele, não deve haver distinção entre citação e intimação.
A gestão de Salles no MMA (Ministério do Meio Ambiente) alterou o processo de análise de autos de infração ambiental, de forma a enfraquecer a fiscalização empreendida pelos órgãos especializados, principalmente o Ibama. O enfraquecimento da fiscalização é uma bandeira do presidente Jair Bolsonaro (PL).
No mesmo decreto em que instituíram a conciliação ambiental, a etapa a mais no caminho das multas, Salles e Bolsonaro alteraram a forma de apresentação das alegações finais.
Um decreto de 2008 estabelece que as alegações finais devem ser apresentadas em até dez dias após o fim da instrução do processo.
Segundo o que estava previsto no decreto, “a autoridade julgadora publicará em sua sede administrativa e em sítio na rede mundial de computadores a relação dos processos que entrarão na pauta de julgamento, para fins de apresentação de alegações finais pelos interessados”.
O decreto da conciliação ambiental modificou esse entendimento, com nova previsão: “A autoridade julgadora notificará o autuado por via postal com aviso de recebimento ou por outro meio válido que assegure a certeza de sua ciência, para fins de apresentação de alegações finais.”
Com o despacho do último dia 21, o presidente do Ibama considerou nulas as notificações por edital para apresentação de alegações finais quando o autuado “não é indeterminado, desconhecido ou com domicílio indefinido”.
“A nulidade da intimação gera a anulação de todos os atos processuais subsequentes, que não surtem efeitos jurídicos, nem mesmo para interromper eventual prescrição da pretensão punitiva ou da intercorrente, pois não se admite que atos nulos gerem efeito interruptivo da prescrição”, afirmou Bim no documento.
Questões paralelas à cobrança da multa, como embargos, demolições e apreensões, também não interrompem a prescrição, decidiu o presidente do Ibama.
O ato de Bim se soma a outras evidências de prescrição de multas ambientais no governo Bolsonaro, reveladas pela Folha.
Reportagem publicada no último dia 13 mostrou risco de prescrição de mais de 5.000 autos de infração lavrados em 2020, o segundo ano do mandato de Bolsonaro. A quantidade equivale à metade dos autos daquele ano. O risco é apontado pelo próprio Ibama, num documento da Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais.
Um cruzamento de dados feito em seguida pela reportagem revelou que mais de R$ 1 bilhão em multas de 2020 permanecem sem encaminhamento a setores de conciliação. São 647 autuações com multas superiores a R$ 200 mil. O risco de prescrição existe principalmente para autos ainda não levados à conciliação. Na lista estão 28 madeireiras e centenas de desmatadores da Amazônia.
O despacho anterior de Bim, de 25 de fevereiro de 2020, foi alvo central de uma investigação da PF sobre facilitação de contrabando de madeira da Amazônia para o exterior.
O presidente do Ibama dispensou a necessidade de autorização de exportação de madeira, e o órgão passou a aceitar apenas o DOF (Documento de Origem Florestal), necessário para o transporte de madeira dentro do país.
A flexibilização durou até a deflagração da Operação Akuanduba pela PF, em maio de 2021, autorizada pelo STF.
O ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão dos efeitos do despacho. Bim, investigado pela PF, foi suspenso do cargo por 90 dias, por determinação de Moraes. Ele retomou as funções de presidente do Ibama em agosto de 2021.
Salles, também investigado por suposta participação no esquema, deixou o cargo de ministro em junho de 2021, em meio às investigações da PF.
Agora, o novo despacho do presidente do Ibama anula etapas de processos e amplia os riscos de prescrição de multas.
“Não pode o gestor público enfiar a cabeça embaixo da terra e fingir que não conhece o direito reconhecido pelos tribunais”, afirmou Bim. “Seria cegueira deliberada do gestor deixar acumular passivo, que deve ser mitigado pelo seu próprio ato corrigindo os rumos estatais.”
Segundo o presidente do Ibama, deve haver respeito ao contraditório e à ampla defesa. “Há gasto de recursos humanos e materiais do Estado em atividade que contraria pacífica jurisprudência quando se deveria empregar esses mesmos recursos em outras ações da política ambiental que não são rechaçadas pelo Poder Judiciário.”
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