LEONARDO VIECELI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A produção industrial brasileira voltou a perder fôlego e amargou queda de 2,4% em janeiro, na comparação com dezembro. É a maior baixa para o mês desde 2018 (-2,6%), informou nesta quarta-feira (9) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Com o resultado, a produção eliminou parte do avanço de 2,9% que havia sido registrado em dezembro. Assim, o indicador ficou mais distante do pré-pandemia.
Está 3,5% abaixo do patamar de fevereiro de 2020, antes da crise sanitária. Também está em nível 19,8% inferior ao recorde da série histórica, de maio de 2011.
O desempenho de janeiro veio pior do que as expectativas do mercado financeiro. Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam retração de 1,9%.
Na comparação com janeiro de 2021, a produção industrial teve queda de 7,2%, conforme o IBGE. Nesse recorte, analistas também estimavam recuo menor, de 6,3%.
A contração de 2,4%, frente a dezembro, teve perfil disseminado. Segundo o IBGE, 20 das 26 atividades industriais pesquisadas apresentaram baixa na produção.
“A indústria vem sendo afetada pela desarticulação das cadeias produtivas por conta da pandemia, tendo no encarecimento dos custos e na dificuldade para obtenção de insumos características importantes desse processo”, disse André Macedo, gerente da pesquisa do IBGE.
“Além disso, os juros e a inflação em elevação, juntamente com um número ainda elevado de trabalhadores fora do mercado de trabalho, ajudam a explicar o comportamento negativo da indústria”, acrescentou.
Entre as atividades, as quedas mais importantes em janeiro foram assinaladas por veículos automotores, reboques e carrocerias (-17,4%) e indústrias extrativas (-5,2%).
Esses segmentos haviam acumulado expansões de 18,2% e 6%, respectivamente, nos dois últimos meses de 2021.
“O segmento de veículos automotores é um exemplo importante de desarticulação da cadeia produtiva, já que tem dificuldades na obtenção de insumos importantes para a produção do bem final”, disse Macedo.
“O setor extrativo, em janeiro de 2022, teve a extração do minério de ferro bastante afetada pelas chuvas em Minas Gerais”, completou.
Conforme o pesquisador, a alta de 2,9% na indústria em dezembro pode ter refletido a antecipação da produção, por conta de janeiro ser um mês marcado por férias coletivas e paralisações.
“Até no indicador acumulado dos últimos 12 meses, no qual a indústria permanece em crescimento, com expansão de 3,1%, os avanços perdem cada vez mais a intensidade. Em agosto de 2021, a taxa chegou a registrar 7,2%”, comentou.
IMPACTO DA GUERRA
A partir de fevereiro, o cenário macroeconômico ganhou uma preocupação a mais com a guerra entre Rússia e Ucrânia. A tensão relacionada ao conflito no Leste Europeu fez as cotações de commodities agrícolas e do petróleo dispararem no mercado internacional.
A situação, segundo analistas, pode afetar tanto os preços de insumos quanto os custos logísticos no setor industrial, já impactados pela pandemia.
“É claro que esse conflito pode trazer ainda mais consequências sobre as cadeias produtivas globais, afetando a produção doméstica”, disse Macedo.
“Como isso vai ocorrer, e em que magnitude, a gente tem de esperar o decorrer do ano. Esse movimento traz reflexos negativos”, emendou.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, já reagiu ao embargo dos Estados Unidos ao petróleo e ao gás natural de seu país, anunciando que vai proibir ou limitar o comércio de matérias-primas russas até o fim deste ano.
“O conflito entre Rússia e Ucrânia tende a atrasar a reorganização das cadeias globais de produção, trazendo um componente negativo a mais para a recuperação do setor”, afirmou a economista Claudia Moreno, do C6 Bank.
De acordo com a analista, o resultado de janeiro da produção industrial não deve impactar, por ora, as projeções de crescimento econômico feitas pelo banco para 2022.
Contudo, o setor deve continuar contribuindo negativamente para o resultado do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro deste ano, pondera Claudia. O C6 Bank prevê alta de 0,5% para o PIB.
André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, também avalia que, a partir da guerra, há mais desafios para a retomada industrial.
Na visão dele, a queda da produção brasileira em janeiro “é um péssimo sinal para o início do ano”.
JUROS MAIS ALTOS
Mesmo com a reabertura da economia, após restrições maiores para frear a Covid-19, a indústria passou a emitir sinais de fragilidade no país nos últimos meses.
A escassez de insumos é apontada como um problema que ainda atinge parte das fábricas. A falta de componentes está associada aos efeitos da pandemia, que desalinhou cadeias produtivas globais. O ramo automotivo está entre os mais abalados.
A produção de veículos leves e pesados fechou o primeiro bimestre no Brasil com 311,4 mil unidades produzidas, uma queda de 21,7% na comparação com o mesmo período de 2021, indicou na terça-feira (8) a Anfavea (associação das montadoras).
O resultado refletiu uma combinação de fatores: o efeito da variante ômicron nas linhas de produção, as férias coletivas de janeiro, o fornecimento irregular de peças e a desaceleração das vendas no início de ano.
Para complicar o quadro da indústria como um todo, a escassez de insumos tem sido acompanhada pelo aumento de preços. Em janeiro, a inflação industrial foi de 1,18%, de acordo com o IPP (Índice de Preços ao Produtor).
O índice também é calculado pelo IBGE. Em 12 meses, a alta do IPP foi de 25,51%. O indicador mede a variação dos preços na porta de entrada das fábricas, sem o efeito de impostos e fretes.
Outro desafio para o setor em 2022 é o aumento dos juros. Para tentar conter a inflação, o BC (Banco Central) vem elevando a Selic, que voltou ao patamar de dois dígitos.
A taxa básica de juros em nível mais alto encarece o custo dos empréstimos no país, o que dificulta investimentos de setores produtivos.
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