ALEX SABINO
DA FOLHAPRESS
A Copa do Mundo terminou para a Fifa, mas isso significa o início dos trabalhos no Cidade da Educação e na sede da Fundação Qatar. Depois de compilar dados ao redor do país, a entidade, mantida por investimentos da monarquia e parcerias privadas, vai começar a analisá-los. Desse estudo vai depender o futuro do esporte para mulheres na região.
Segundo a fundação, há algumas perguntas que precisam ser respondidas. Quantas mulheres praticam esportes hoje em dia no Qatar? Quantas estão fora do sistema? Que modalidades elas praticam mais? Quais as barreiras existentes?
As respostas vão chegar à norte-americana Alexandra Chalat, diretora da Fundação Qatar para o legado da Copa do Mundo.
“Vamos obter uma resposta nos próximos meses para lançar nossa própria estratégia”, explica ela.
O Cidade da Educação, onde há um estádio usado no Mundial, será centro de esportes para mulheres, de acordo com o plano traçado a longo prazo pelo governo e ligado à realização da Copa do Mundo.
“Tudo isso faz parte do plano Qatar 2030. Oferecer workshops, cursos de liderança, a chance de praticar esportes e dar-lhes oportunidades”, completa Maha Al Ansari, coordenadora do departamento de comunicação e ex-jogadora da seleção de basquete do Qatar.
O Qatar 2030 é estratégia traçada pela monarquia para mudar a imagem do país no exterior, aumentar sua influência geopolítica, transformá-lo em um centro de turismo e diminuir a dependência da extração de petróleo e gás natural.
Por meio do Cidade da Educação, a Fundação Qatar oferece diferentes esportes femininos em vários horários do dia. Isso porque a percepção dos dirigentes é que as garotas precisam se sentir confortáveis no ambiente de treinamento e jogos. E isso afastava muitas da prática esportiva.
Por isso, elas contam com uma estrutura própria, com vestiário, campos e todas as demais estruturas físicas apenas para elas.
Alexandra, que morou por dez anos em Londres e, por isso, não precisou de muito esforço para não chamar futebol de “soccer”, como acontece nos Estados Unidos, sabe que há dificuldades a serem superadas. Uma parte da sociedade qatariana ainda é resistente a que mulheres estejam envolvidas no esporte. Mas ela diz acreditar que desta vez será diferente. Há um motivo importante para essa crença: é uma orientação da monarquia.
“Há partes da população que podem não estar confortáveis com mulheres no esporte, mas é uma orientação que vem da liderança [do país]. Há orientação de que é importante participar em esportes”, afirma.
O final do torneio da Fifa deve retomar o nível frenético de atividades, torneios e treinos na Cidade da Educação. Tudo ficou paralisado por causa da Copa do Mundo, o que movimentou também funcionárias da fundação, que iam trabalhar com cachecóis de suas seleções.
Cerca de 60% dos estudantes do Cidade da Educação, instituição com 80 universidades parceiras ao redor do mundo, são mulheres. O mesmo para pouco mais de 50% do corpo de funcionários da Fundação Qatar.
O discurso padrão entre as pessoas das duas instituições é que há um processo de mudança em andamento. Um movimento lento, mas constante. O Qatar ainda é um país que restringe os direitos das mulheres. Elas precisam de autorização de um “guardião” homem para fazer uma série de coisas, como viagens, trabalho, educação, casamento e a saúde da mulher, de acordo com a organização Human Rights Watch.
O pai é o primeiro responsável e, em sua ausência, outros familiares como irmãos, tios ou avôs assumem a tutela. Após o casamento, é feita a transferência para o marido e, em caso de divórcio, a guarda volta para parentes próximos.
A liberdade de expressão, os direitos de imigrantes e das mulheres e a repressão aos movimentos LGBTQIA+ foram pontos centrais dos protestos antes e durante a Copa do Mundo.
A retomada dos jogos e treinos é o que mais espera Hadwa Mohamed, 17. Ela gostou de ver a Copa do Mundo, mas os resultados em campo a decepcionaram duplamente. Ela chorou quando Cristiano Ronaldo foi eliminado por Portugal. E não desejava em nenhuma hipótese que Lionel Messi fosse campeão com a Argentina.
“Meu pai não queria que eu jogasse, mas apenas porque não queria ver a filha se machucar. Eu cresci com meninos, então sempre fui agressiva”, brinca ela, em uniforme do Liverpool (ING), seu time preferido -também fã do zagueiro holandês Virgil van Dijk, eliminado pela equipe de Messi nas quartas de final.
Hadwa repete a história de tantas outras meninas que procuram o Cidade da Educação para atividades que podem ser gratuitas ou pagas: queria um ambiente em que pudesse ser ela mesma, sem se preocupar com garotos. Uma coisa é jogar na rua com amigos e amigas. Outra é futebol organizado, com chuteira, uniformes e árbitros.
“Futebol faz com que eu me sinta livre. Que eu possa exercer minha individualidade, conhecer pessoas novas. Jogamos contra uma equipe brasileira. Conhecê-las foi o que mais gostei. Elas foram demais!”, anima-se.
“A nossa percepção é que o esporte é importante para a comunidade, para a sociedade e para as mulheres. É algo que precisamos fazer”, finaliza Maha Al Mansari.