Sabia que nas famílias dos pernilongos somente as fêmeas trabalham? Sim, como coristas de um palco espaçoso em que se põem em dança a cantar nas nossas noites insones, em busca dos nossos pés, braços e orelhas de preferência. E ficam ao redor e mais próximo quanto possível voando a procura de pasto para seu pouso e repasto quando fincam uma espécie de agulhas, – seis para ser exato – duas das quais têm pequenos dentes que funcionam como serrote e fazem festa. Fazem também coceira, inchaço, inflamação, Dengue, Zika, Chikungunya, Oropouche e Encefalite!
Elas são pequenas, negras como o escuro do quarto e voam rápido quando querem, mas fazem voo cruzeiro como se admirassem nossa beleza e singeleza. Melhor, como se nos medissem calculando o quanto de sangue poderão usurpar com as chupadas sem que nos faça falta, para não querem perderem o freguês, e são rebeldes e buliçosas, como moleques endiabrados que não obedecem aos chamados da mãe e continuam no barro; porque as espantamos e insistem em cantar e cantam tanto que nos sujeitamos a cumprimentá-las com palavrões absurdos, desses que fazem estralar telhas adormecidas sob o mormaço quente, deixado pela tarde.
E os machos, o que fazem? Sabe-se lá; talvez cuidem dos ovos e filhotes, ou saracoteiem pelas noites compondo outros pares, já que não se sabe se os pernilongos são ou não polígamos; ou, ficam em casa administrando a carreira artística da mulher, coisa em voga nesse mundão de Deus. Para dizer que sua vida é ótima, já que não precisam de sangue, não produzem ovos e se alimentam de substâncias açucaradas coletadas aqui e ali… uns gigolôs safardanas!
Mas, de fato, voltando às canções que recheiam nossas membranas timpânicas que captam e as conduzem, ouve-se delas um canto lamentado. É um sofrido desafiar de vida, talvez pela fome que sentem, talvez pela responsabilidade em gestar os ovos que porão logo mais. Na verdade, me parece que cada uma das fêmeas conta na sua versão de canto, uma história sonora como o esmoler em busca do mísero sustento. Tristes, compreensíveis, mas irritantes que provocam nossos tapas ao nada, já que sempre se desviam, avisadas pelas centenas de olhos que possuem em volta da cabeça.
À fêmea pernilongo, seu eu pudesse lhe falar, daria a ela meus sinceros respeitos pela vida organizada, preocupada e metódica que tem, mas, acrescentaria um pedido: que fosse cantar em outra freguesia e levasse as companheiras, talvez para a casa vizinha que é mais promissora em gordura (e sangue, naturalmente), e isso faria seus regalos sanguinolentos mais apetitosos.
Quem sabe, pedindo assim, me escutasse.
Mas que ouvir seu canto de lamúria à noite é um saco, não há dúvida! Quem nunca ouviu ou não foi por elas chupado e não concorde comigo, que atire o primeiro tubo de Baygon. De preferência, cheio… para usar aqui, mermão, que tá mole não!