Foi Fernanda Montenegro, 92, chegar à Livraria da Travessa, no bairro do Leblon, no Rio, para um bolinho de gente se formar à sua volta. No lançamento da nova edição da “Revista Brasileira”, publicação da Academia Brasileira de Letras, a atriz e imortal da ABL foi a grande atração entre seus pares. Natural que seja, mas desta vez havia um motivo a mais: o carioca estava com saudades de ver Fernanda nas ruas e nos eventos culturais da cidade.
Pelo menos na zona sul, são poucos os que nunca esbarraram com ela em suas caminhadas pela praia, em livrarias, cinemas ou teatros. A atriz, no entanto, anda reclusa desde meados de maio, quando escorregou em casa e machucou-se seriamente. “Quebrei três costelas neste tombo terrível”, conta à Folha de S.Paulo. “Está doendo muito, quando eu respiro os ossos não ficam quietos”, descreve.
Fernanda, no entanto, parece forte. Conversa com todos que a abordam, posa para fotos, abraça os mais chegados. Puxa até um “Uhuuu!” quando o aniversariante e também imortal Zuenir Ventura ganha um bolo de aniversário e coro de “Parabéns pra Você” no meio da livraria. Ao esticar o braço para bater palmas para o jornalista, ela deixa à mostra um dispositivo no pulso, tal qual um relógio, com um botão no meio. “Se eu apertar, toca direto no meu médico. É para alguma emergência”, explica. O acessório foi instalado depois do acidente.
Ele aconteceu pouco antes de a atriz dar início à sua participação como protagonista no filme “Dona Vitória”, que Breno Silveira começava a rodar em Pernambuco. O diretor sofreu um infarto fulminante no dia 14 de maio – Fernanda ainda não podia se locomover, por isso não foi ao velório. “Não deu para ir, não tinha como”, explicava ela a Malu Mader. “Claro, todo mundo sabia disso, imagina”, diz Malu.
O desmatamento da Amazônia e a política ambiental do governo Bolsonaro também foram assunto no papo de Fernanda com amigos e admiradores. “Estão acabando com a floresta. O homem é o lobo do homem mesmo”, disse ela, citando a frase, do latim homo homini lupus, popularizada pelo filósofo Thomas Hobbes em “Leviatã”.
Quando se falou em gestão cultural, Fernanda preferiu não falar especificamente sobre a questão dos cachês milionários de prefeituras a artistas sertanejos ligados ao bolsonarismo nem sobre as críticas do presidente aos artistas que recorrem à Lei Rouanet. Em duas frases, resumiu o que pensa (e se emocionou ao dizê-las: “O artista virou uma sub-raça neste governo. A cultura virou um crime”.
FolhaPress