Por Lucelmo Lacerda
A lei 12.764 de 2012 diz que pessoas com autismo com comprovada necessidade têm direito a um acompanhante especializado. No entanto, a lei falhou ao não dizer qual é o papel desse profissional e não especificar como se verifica essa tal “comprovada necessidade”. Isso gera inúmeros problemas no exercício do direito, sendo dois os mais expressivos: a) a transformação do “acompanhante especializado” em mero cuidador; e b) a negação do direito ao acompanhante à criança ou adolescente que dele necessita.
Para pensarmos qual é o melhor papel para o acompanhante, é preciso que tenhamos as informações sobre que conhecimento tem sido produzido a esse respeito. Existem diversas possibilidades.
Uma delas é o acompanhante como cuidador. Nessa perspectiva, o profissional não pode ter nenhum papel pedagógico e só é adequado quando a criança tem dificuldades para se comunicar, andar, comer ou fazer sua higiene pessoal, isso é defendido pela corrente a que denominamos de Inclusão Total.
As demais perspectivas são defendidas por diferentes intelectuais da corrente a que denominamos de Educação Inclusiva.
Na inclusão do acompanhante como bidocência, esse profissional é um professor especialista naquela deficiência e deve apoiar o estudante em inclusão, em diferentes esquemas.
No caso da inclusão do acompanhante como ensino colaborativo, ele é um professor especialista em Educação Especial, que apoia o professor regente com a sala em diferentes esquemas de redistribuição.
Por fim, temos o acompanhante como implementador de intervenção comportamental. Aqui, o estudante deve ser avaliado antes do processo de inclusão. Na avaliação, devem ser definidos os objetivos e os programas de ensino para sua plena inclusão e o acompanhante deve ser treinado para implementar esses programas e registrar os dados dele decorrentes.
Essa última perspectiva é a que possui as melhores evidências de que seja um caminho seguro a se seguir, modelo largamente dominante na escolarização nos Estados Unidos. Nela, o acompanhante não precisa ter formação superior, daí que seja acessível financeiramente, e o centro do processo de inclusão é a figura equivalente ao professor da Sala de Recursos. É ele quem avalia a criança ou adolescente e define os programas de ensino (Plano de Ensino Individualizado), treina os acompanhantes e os mantêm sob supervisão – tudo isso preferencialmente com apoio de equipe multidisciplinar.
Ainda restou a questão da definição de quem possui efetivamente o direito ao acompanhante. Se a política em vigor for condizente com o primeiro grupo apresentado, só têm direito as pessoas com dificuldade de comunicação, locomoção, alimentação ou higiene, o que deve ser avaliado por um médico. Mas, se houver uma política condizente com as demais posições, então a questão é pedagógica e devemos definir quem precisa de apoio.
A grande questão aí é que não dar apoio a quem precisa o impede de avançar e dar apoio a quem não precisa o torna dependente e também barra sua evolução. A tradição educacional brasileira é muito mais sustentada por discursos do que por processos técnicos, que são fundamentais para esse tipo de decisão.
Sustento que um instrumento já validado no Brasil e largamente utilizado nos EUA para esse tipo de avaliação deveria ser adotado por nós, pois é capaz de descrever a necessidade, ou não, das crianças ou adolescentes terem um acompanhante especializado. Trata-se do VB-MAPP, que também serve para orientar o Plano de Ensino Individualizado.
A ideia é fugir a todo custo de saídas improvisadas ou intuitivas e aproveitar o melhor conhecimento já produzido no mundo para as pessoas com autismo.