*Gabriel Zugman
Quando resolve abrir um negócio, uma das decisões que o empresário precisa tomar é sobre qual tipo societário explorará a atividade econômica. Os mais conhecidos e mais utilizados são a Sociedade Limitada – regulada entre os artigos 1.052 e 1.087 do Código Civil (Lei 10.406/2002) – e a Sociedade Anônima – regulada pela Lei das S/A (Lei 6.404/76).
De acordo com o último Boletim do Mapa de Empresas divulgado pelo Governo Federal, das 760.376 empresas abertas no Brasil em 2022, 736.453 ou 96,85% foram do tipo LTDA. O que poderia explicar essa hegemonia?
Certamente, o fato de a Limitada possuir uma sistemática de funcionamento mais simples, se comparada às anônimas, é um dos fatores. Ela resolve a principal preocupação de um sócio, isto é, de que sua responsabilidade seja limitada ao valor aportado na sociedade, sem expor o restante de seu patrimônio (daí a denominação Limitada, eis que limita a responsabilidade dos sócios), mas com menos burocracia na gestão diária, se comparada à S/A.
Mas há uma questão fundamental que muitas vezes não é levada em consideração no momento da escolha pela Ltda.: a de que nesse tipo societário, se contratado por prazo indeterminado, os tribunais brasileiros, com a chancela do STJ, vêm conferindo ao sócio o direito de se retirar da sociedade a qualquer tempo, de modo unilateral e sem qualquer justificativa, demandando que a sociedade lhe pague o valor de mercado de sua participação.
A justificativa? O princípio constitucional previsto no artigo 5º, XX, de que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado” e a aplicação de um dispositivo próprio das Sociedades Simples, o artigo 1.029 do Código Civil.
Ocorre que, nas Sociedades Simples, o aspecto pessoal dos sócios é de caráter indispensável e preponderante, pois são eles que desenvolvem pessoalmente os serviços intelectuais. São exemplos de sociedades simples sociedades de advogados, sociedades de contadores, sociedades de arquitetos, sociedades de médicos. Nestas, a responsabilidade dos sócios é ilimitada, ou seja, se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, nos ditames do artigo 1023 do Código Civil.
É nesse contexto que, nesse tipo societário, é dado ao sócio retirar-se da sociedade sem justificativa, quando por prazo indeterminado, conforme disposto no artigo 1.029 do Código Civil. Compreende-se tal opção pelo legislador, pois há de haver uma afinidade para a prestação de serviços de caráter intelectual e deve ser permitido ao sócio desse tipo societário poder se desvincular e seguir com a atividade de seu sustento.
Já as Sociedades Limitadas possuem regramento específico em capítulo próprio. Neste, o artigo 1.077 do Código Civil dispõe que apenas por ocasião da aprovação de determinadas matérias por deliberação da maioria dos sócios e da qual o sócio discorde, poderá este exercer o seu direito de se retirar da sociedade. Veja-se que, ao contrário da disciplina das Sociedades Simples, na Limitada o legislador claramente optou por limitar o direito de saída de um sócio da sociedade. Previsão similar consta da Lei das S/A. E isto há razão de ser: o prestígio ao princípio da preservação da empresa.
Para contornar a leitura sistemática da legislação, o STJ fixou o entendimento de que as previsões de retirada estabelecidas pelo artigo 1.077 não seriam taxativas e que seria um direito potestativo do sócio retirar-se da sociedade limitada por prazo indeterminado de forma imotivada, seja ela ou não regida supletivamente pelas regras da sociedade anônima, aplicando indistintamente às Limitadas a previsão do artigo 1.029 (do capítulo das Sociedades Simples). Prestigiou-se o direito individual do sócio, em detrimento da estabilidade empresarial almejada pelo legislador.
Sabendo disso, será que ainda assim você escolheria esse tipo para iniciar sua sociedade com seus sócios? Você conviveria com a hipótese de, após construir um negócio com sangue, suor, dinheiro e lágrimas, poder ser surpreendido, a qualquer tempo, com um sócio pedindo para sair, colocando em risco o caixa da empresa e a própria continuidade da atividade empresarial?
Assim como a jurisprudência do STJ acerca do método para apuração dos haveres do sócio retirante amadureceu, revertendo o precedente fixado em 2015 de aplicação do fluxo de caixa descontado, espera-se que o mesmo ocorra acerca da retirada imotivada de sócio nas sociedades limitadas.
No entanto, pelo menos enquanto prevalecer o atual entendimento, meu conselho é simples e direto: se você quer uma relação societária estável, fuja da Sociedade Limitada.