JULIANA SANTOS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Todos os dias, o aposentado Francisco Poço costuma caminhar por cerca de meia hora ao redor de seu condomínio. Prestes a completar 94 anos, ele precisou interromper esse hábito durante a pandemia -e sentiu falta. Para ele, caminhar “distrai dos problemas e ajuda a pensar melhor”, além de proporcionar melhores noites de sono, “dar mais apetite” e incentivar uma alimentação melhor. Em suas palavras, quando faz suas caminhadas com frequência, “tem mais ânimo de viver”.
A percepção de Francisco é comprovada pela ciência. Estudos que acompanham pessoas idosas que praticam atividades aeróbias, como a caminhada, com frequência, indicam melhora nas habilidades cognitivas (que incluem o processamento de informações, a memória, o raciocínio e a linguagem).
“Tais efeitos devem-se, provavelmente, a um aumento do fluxo sanguíneo no cérebro, e portanto, do transporte de nutrientes”, explica o neurologista Marcelo Freitas Schmid. Ele também cita evidências do aumento na atividade dos neurotransmissores -que levam sinais de um neurônio a outro- logo após o exercício, além de efeitos a longo prazo sobre as estruturas do cérebro.
O benefício é verificado em pacientes de todas as idades. Em crianças, por exemplo, maior capacidade aeróbia (que é o controle da respiração durante exercícios) é associada a um desempenho melhor em matemática. Mas para os idosos, ele é ainda mais importante.
“O processo de envelhecimento implica deterioração de todos os tecidos e órgãos, levando à vulnerabilidade do organismo, a alterações fisiológicas, e doenças”, explica Schmid. “Com o passar dos anos, algumas habilidades cognitivas das pessoas idosas vão se modificando.”
A deterioração no cérebro está ligada a condições comuns nesta fase da vida, como a doença de Alzheimer. Ao adotar hábitos que fazem bem à saúde deste órgão, é possível prevenir ou atrasar a chegada destes problemas.
BENEFÍCIO EMOCIONAL
Mas a depressão e os transtornos de ansiedade também se instalam com frequência em indivíduos mais velhos. A psicóloga Marina Vasconcellos explica por que a caminhada também consegue amenizar estes distúrbios.
“A caminhada faz você abrir seus horizontes. Você anda para a frente, para cima, para os lados, conhece o bairro, vê gente andando, famílias, carros”, descreve. “O movimento da cidade faz você sair do seu mundinho fechado, daquela depressão dentro de casa”.
“O fato de você estar caminhando e fazendo algo por você automaticamente aumenta sua autoestima, você fica mais confiante”, completa a psicóloga. “Reduz a sensação de impotência, porque você precisa enfrentar e também aceitar seus limites.”
A caminhada também é uma ótima oportunidade para chamar amigos e família num passeio e por o papo em dia. O aposentado Osmaldo Majolo, 65, caminha às manhãs por seu bairro na região de Interlagos com sua esposa. Ele já passou por uma cirurgia cardíaca e toma remédios para a pressão, então o exercício é recomendado pelos médicos -mas também o faz simplesmente por gostar.
Embora admita o cansaço, Osmaldo diz sentir a cabeça “aliviada” depois do exercício. Mas ressalta um detalhe importante: enquanto aproveita o caminho, mesmo ao ar livre e num horário com menos movimento nas ruas, ele não dispensa o uso da máscara.
CAMINHA NA TERCEIRA IDADE
Cérebro ativo
– Com o avanço da idade, o volume de massa cinzenta em nosso cérebro diminui e neurônios se comunicam com maior dificuldade
– Essa perda afeta habilidades de atenção, linguagem, memória, raciocínio, percepção e resolução de problemas
Exercícios físicos ajudam a desacelerar este processo de várias formas:
– Estimulam o fluxo de sangue no cérebro, e, assim, o transporte de oxigênio e nutrientes
– Aumentam a atividade de neurotransmissores
– Reduzem o risco de desordens mentais
– A longo prazo, cientistas acreditam que o exercício pode transformar algumas estruturas cerebrais e melhorar nossas habilidades cognitivas
Por que a caminhada?
– Baixo impacto: realização mais fácil, e menores chances de lesões
– Ar livre: aumenta a interação com o ambiente externo e a exposição ao sol
– Social: pode ser feita na companhia de um familiar ou amigo, e também em grandes grupos
– Controle: você decide a duração, o ritmo, e a frequência
– Autoestima: reduz sensação de impotência, e incentiva a fazer outras coisas por seu próprio bem
Dicas:
– Use roupas leves, confortáveis, absorventes de suor e apropriadas para o clima
– Calce tênis próprios para corrida e caminhada, com design e amortecimento que previnem lesões e evite sapatos, sandálias ou chinelos
– Caso sinta muito cansaço ou dores, procure um profissional de educação física e um médico
– Para tornar o exercício mais fácil, convide um amigo ou parente, escolha um lugar agradável, um dia com clima ameno, e tente apreciar tudo o que vê ao seu redor
– Exercícios de flexibilidade são ótimos aliados à caminhada, porque reduzem tensões na coluna e nas pernas
Fontes: Páblius Staduto Braga, médico do esporte e reumatologista; Marcelo Freitas Schmid, neurologista do ICNE-SP (Instituto de Ciências Neurológicas de São Paulo) e Marina Vasconcellos, psicóloga pela PUC-SP (Pontifícia Universidade de São Paulo) e terapeuta familiar