Renato Benvindo Frata
Ninguém saberia dizer o porquê dela se vestir de preto de segunda a segunda, uma vida toda, como luto antecipado de si mesma a chorar a própria perda. Trazia lábios pálidos, dentes pretejados e carregava um ar tímido num longo vestido preto de golas altas, meias de seda preta, sapatos pretos e nenhum acessório que não uma fita preta cingindo-lhe a cintura. Minto. Cruzava o corpo a alça longa da bolsa tão negra quanto, o que lhe compunha a postura triste de esmoler. Esmolava vida, tão grande sua carência.
Chamava-se Matilde, cujo significado “força na batalha, guerreira forte,” contrastava com seu ser, um contrassenso, até que certo dia, por volta das nove da manhã, bateu no seu portão um homem musculoso e negro como sua vestimenta, que lhe pediu trabalho. Capinaria e limparia todo o quintal por um prato de comida. Viu fome nos olhos dele e ela cedeu.
Não ficaria bem uma mulher sozinha com um desconhecido pelas cercanias, porém, olhando para o quintal coberto de mato, deixou-o entrar, deu-lhe a maior enxada e o autorizou a iniciar a tarefa. Fechou as cortinas e se trancou, metendo ferrolhos nas portas. Pudica, não daria azo às vizinhas faladoras.
Lá pelas onze, com a comida pronta, olhou pela fresta e, temerosa, notou que o homem já havia capinado grande área do quintal. Abriu mais e confirmou: ele trabalhava bem e não lhe oferecia perigo, era somente um faminto a procurar trabalho. Então lhe preparou um belo farnel e um copo de limonada levando o almoço até onde ele estava, e foi ali que ela, com os olhos cor de garapa, saltando das órbitas, pôde contemplar, extasiada, a massa de músculos negros banhada de suor. Verdadeiro príncipe de ébano. E se arrepiou por inteira com o frio que lhe nasceu no espinhaço percorrendo-a de ponta a ponta.
– Ora veja, – disse ele – muito obrigado, senhora, não sabe como a fome castiga! – deitou a enxada, tomou do farnel e, sem se fazer de rogado, pôs-se a comer sem se preocupar com ela, mas ela não parava de olhá-lo. Nunca, em toda a vida, estivera tão próxima de músculos fortes, rijos e … sublimes. E sofreu gastura, até que num momento ele entornou o copo de refresco e a olhou firmemente, sorrindo, enquanto lhe devolvia os objetos.
– É a refeição mais gostosa que já tive! – E ela, receosa em dar trela, tremeu como a sentir movimentos peristálticos em todos órgãos do corpo, o que a fez voltar às pressas. Mas não fechou a porta, nem as janelas, nem as cortinas. Deixou que o vento entrasse trazendo o encantamento do másculo que suava capinando mato, e saísse levando a neblinosa solidão que tanto a martirizava.
Na manhã seguinte Matilde, enfim, fez jus à força do nome: no varal não pendurou somente roupas pretas, mas deixou balançando silente ao vento, uma cueca verde, que registrava seu renascimento.