O Tião era o quinto de uma irmandade de cinco. As demais eram mulheres jovens e envelhecidas, não casadas. A mais nova, Criselda de dezesseis, tinha dois filhos, as outras, três ou quatro, mantendo a casa cheia, todos de pais distintos. Distintos senhores de terno de linho, gravata engomada, anel no dedo e camisa com abotoaduras. Gerentes de banco, donos de empresas e fazendeiros que dividiam com as moçoilas a quentura que diziam não ter nas próprias camas.
São maiores os olhos e melhores os ouvidos em cidade pequena – é o ditado perfeito para falar daquela sociedade o que via e ouvia, se calava. Pela obviedade de que – e aí outro ditado – em boca fechada mosquito não entra.
E tudo se resolvia para o bem quando a desculpa, aceitável, era sacramentada pelo padre que, sabedor do adultério deles e da venda de sexo delas, alisava cabeças inserindo nos batistérios a menção: “pai desconhecido” de Celso, Sandra, Abigail, Joaquim, Alcebíades e outras crianças nascidas delas, cujos nomes não me vêm à mente.
Apontar dedo não é função da crônica e, culpar os homens e mulheres das sem-vergonhices, bem como o padre pela conveniência não me cabe, afinal, pecados, – quem não os tem? Maiores ou menores, carecas ou cabeludos, não se medem com fita métrica, mas, com consciência e essa é por demais particular.
Cada um tem a sua, assim como o fígado e o coração. O que se passa nela é tão íntimo, tão profundo e entranhado que não se consegue avaliar. Por isso, no caso dos sobrinhos do Tião, os pai comparecia no batistério como “padrinhos” por imposição do padre, com a obrigação de bancar a mesada mensal – a tal pensão alimentícia hoje escancarada -, como salvo conduto perante suas famílias, a sociedade e à igreja, solução perfeita em que ninguém perdia, afinal, em sã consciência, não se trabalha contra sua própria conta bancária…
A Igreja? Bem, vivia enfeitada de flores e arabescos, de tapetes para a visita do bispo, e as barracas das quermesses primaveris eram construídas com fino material, telhas de barro, luz elétrica, piso de cimento alisado, banheiros limpos e água à vontade. Tudo de acordo com projetos do sacristão, encarregado de tais.
Mas, o amigo Tião não tinha sapatos e a escola exigia alunos calçados, fato conferido na fila ao cantar hinos com a inspeção das professoras. O que fez ele? Usou os sapatos da irmã, a Criselda, que possuía “um montão” e que não tendo sapateiras onde guardá-los, os pendurava nos tirões do telhado, facilitando o acesso. De onde vem a máxima de que: “se para cada dificuldade uma luz se acende”, aquela realidade do Tião revelava que suas irmãos se vendiam pelos alimentos, despesas com água, luz, impostos, leite, roupa, remédios… exemplo que foi e permanece seguido à surdina e no silêncio das famílias de hoje, como solução dessa nojenta e desigual distribuição de renda entre brasileiros.
Ao Tião, os meus respeitos.
Na rusticidade e bondade coerentes com as coisas da vida, ele se assemelhava a um pedaço de carvão a que ninguém lhe presta atenção, mas que possui o mais límpido calor e a mais brilhante luz. Basta aquecê-lo.
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