ALEX SABINO
DA FOLHAPRESS
O número ainda pode aumentar, mas quase a metade dos clubes que vão participar das séries A ou B do Campeonato Brasileiro de 2022 são empresas, tem projeto de SAF aprovado ou querem adotá-lo. Os torneios devem ter início em abril.
Dos 40 times classificados para as duas principais divisões do país, 7 já são companhias privadas e 12 têm planos de se tornar Sociedades Anônimas de Futebol dentro da lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) no ano passado. Dirigentes dos outros 21 afirmam não ter projetos do tipo ou não se manifestaram.
Advogados especializados no assunto e empresários que prospectam investidores afirmam ter sido procurados por pessoas interessadas em comprar equipes. Isso antes mesmo de Ronaldo se tornar acionista majoritário do Cruzeiro, o que tornou SAF um assunto da moda.
“Tenho dois clientes interessados em investir. A imagem vendida agora é que o futebol do país pode mudar”, afirma Guilherme Decca, um dos donos da VO2 Capital, empresa com sede nos Estados Unidos que oferece soluções em gestões de patrimônio.
Decca já pensou em colocar dinheiro em times do Brasil, mas optou pela Inglaterra. Hoje é dono do Wakefield, na 11ª divisão.
Apesar de achar ser possível ter sucesso, ele considera que os interessados em investir agora apostam na mudança quase completa da estrutura do futebol. O empresário não está tão certo assim de quando ou se isso ocorrerá.
“Eu não sou negativo. Vejo como oportunidade. Mas é inocência achar que agora o futebol brasileiro vai começar a voar de uma hora para a outra. São ativos complicados de reestruturar. Olhe os clubes grandes. Precisam de R$ 400 milhões só para fazer a bola rolar. A dívida é superior a R$ 1 bilhão. Há clubes e clubes. Acho que os muito grandes, com muita torcida e muita dívida, são complicados de implementar um projeto de longo prazo”, completa.
É algo que Ronaldo tem sentido na pele. Ao falar sobre como encontrou o Cruzeiro após fechar negociação para assumir o comando do clube, disse achar uma “surpresa negativa” toda vez que abre uma gaveta.
Entre as agremiações das séries A e B, algumas se apressaram para encaminhar projetos e se tornar SAFs. É o caso de Chapecoense e Coritiba, por exemplo. O Cuiabá, que nasceu como empresa, fez o mesmo para encontrar novos investidores.
“O nosso entendimento é que todos os grandes do Brasil vão virar SAF”, afirma o presidente do Atlético Mineiro, Sérgio Coelho. Por enquanto, a agremiação não tem nada concreto quanto a isso.
As duas equipes de maior torcida no país, Corinthians e Flamengo, descartam totalmente qualquer plano de virar Sociedade Anônima. A presidente Leila Pereira, do Palmeiras, também diz não haver nenhuma chance.
A mudança é muito atrativa para times de pequeno porte, que podem se tornar formadores de atletas a ser vendidos para o exterior. Podem ser atrativos especialmente para empresários que já possuem outros clubes em diversos países.
“A gente tem cinco projetos que estão em andamento e mais cinco propostas. Há investidores de olho no mercado e só vão investir no futebol se for SAF. Fazem as diligências, veem a realidade financeira, o que dá para parcelar de dívida… Antes se olhava isso também, mas não havia como investir. Era patrocinador ou emprestava dinheiro para o clube”, lembra o advogado Cristiano Caus, especializado em direito desportivo e consultor de clubes.
Ele lembra que existe outra realidade do futebol brasileiro fora das principais divisões. Há vários times do interior que, na prática, já são possuem donos há muitos anos. Mas se trata de algo informal, sem legalidade.
“Tem gente que arca com os custos há 10, 20 ou 30 anos e não tem segurança jurídica nenhuma. Os clubes que já têm esse investidor vão formalizar. Quem não tem vai criar uma estrutura para recebê-los”, completa.
A esperança de quem não planeja se transformar é a mesma dos investidores que pensam em comprar: a criação da liga de clubes. Algo que, por enquanto, é apenas um projeto, mas pode, na visão deles, aumentar a arrecadação.
“Temos uma grande perspectiva de sair dessa dívida com a entrada na liga. Quando você está em uma situação equilibrada de dívida, a negociação pega outro patamar em caso de venda. O clube não precisa ser vendido para sair das dívidas”, analisou no ano passado o presidente do Santos, Andrés Rueda.
Intermediários que buscam investidores disseram à reportagem que, até o modelo estar estabelecido no Brasil, colocar dinheiro no futebol será uma aposta. Os problemas estruturais continuarão a existir por algum tempo. A fé é que todo o modelo que sustenta o esporte no país vá mudar. Não é pouco.
“Na parte tributária, é um modelo muito atrativo. Há tributação específica”, constata a advogada tributarista Andréa Mascitto. Ela ajudou a renegociar as dívidas do Botafogo com a Receita Federal.
Para as equipes endividadas (o que significa: quase todas), a lei é convidativa, ela avalia, não apenas por causa dos impostos. Também pela possibilidade de renegociação das dívidas já contraídas.
“Nos primeiros cinco anos, é um imposto único de 5% e não engloba transferências de jogadores. A partir do 6º ano, vira 4% e vai acrescentar a venda de atletas. Mas, ainda assim, será um imposto único. A SAF vai permitir que você reúna todos os credores e eles entrem para uma fila de pagamentos cíveis e trabalhistas”, analisa.
E há, também, o componente da novidade. A imagem, verdadeira ou não, de modernização.
“Nos próximos meses, vão sair muitos negócios”, acredita Caus.