STÉFANIE RIGAMONTI
DA FOLHAPRESS
Somente neste ano, os investimentos contratados em saneamento pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) já ultrapassaram em 929% a soma de todos os financiamentos no setor em 2020, ano da aprovação do Marco Legal do Saneamento.
Em 2023, o setor se tornou o principal cliente do banco público, sendo o maior destino dos financiamentos na comparação com outros segmentos.
Dos R$ 5 bilhões em investimentos contratados em infraestrutura, setor que historicamente mais recebe investimentos do banco de desenvolvimento, R$ 3,7 bilhões foram destinados a saneamento neste ano.
Trata-se das subscrições de debêntures emitidas pela Iguá, em junho, quando o BNDES investiu R$ 1,8 bilhão de um total de R$ 3,8 bilhões, e pela Aegea neste mês, quando o banco ficou com R$ 1,9 bilhão de um total de R$ 5,5 bilhões de debêntures.
Em entrevista à reportagem, o presidente da Aegea, Radamés Andrade Casseb, diz que o papel do banco de desenvolvimento no setor vai além do valor investido.
“Ele empresta a confiança de um banco que está aqui há um tempão estruturando infraestrutura. É como se fosse uma referência para o mercado internacional”, diz.
“Se é um projeto que o BNDES aportou conhecimento e fez a modelagem, é um projeto seguro, que não vai ser questionado, que vai ter menos discussões legais ou estruturais, e que vai ter menos resistência política. Então, os investidores internacionais enxergam isso como redução de risco”, completa Casseb.
Segundo o executivo, desde o marco legal, o banco tem liderado “road shows” que expõem para investidores no exterior as oportunidades de investimento no setor.
Nessa última emissão de debêntures feita pela Aegea, a demanda ficou 1,7 vez acima do valor total emitido. Ou seja, a empresa captou R$ 5,54 bilhões, mas a demanda foi de cerca de R$ 9,35 bilhões.
“O BNDES compete com taxas de mercado junto com outros bancos. Faz muito tempo no setor de saneamento que o BNDES não atua com juros subsidiados”, diz o executivo da Aegea.
Ex-presidente da Iguá e atualmente diretor da IG4, controladora da empresa, Carlos Brandão concorda com a importância do banco na estruturação de projetos. Segundo o executivo, o poder público deve servir como uma alavanca dos processos de financiamentos para o setor, mas não necessariamente assumir a dianteira nos investimentos.
“O BNDES é complementar e ele se encaixa dentro da estratégia como um todo, mas não é um fator determinante. O que é determinante é a boa condição da estruturação de projetos e a segurança jurídica que o marco trouxe”, comenta.
Investimentos privados – Brandão está otimista com a trajetória de atração de capital do setor desde a aprovação do marco do saneamento. Ele acredita que o Brasil vai conseguir alcançar a universalização do acesso à água tratada e coleta de esgoto até 2033, conforme previsto no marco.
Um levantamento feito pelo Instituto Trata Brasil mostra que, atualmente, 100 milhões de brasileiros não têm coleta de esgoto, enquanto 35 milhões ainda não têm acesso à água tratada. O marco tem como meta estender a 99% dos cidadãos o acesso a água tratada e a 90% a coleta de esgoto.
Para isso, segundo Radamés Casseb, seria necessário em média, conforme levantamentos já realizados por auditorias independentes, R$ 700 bilhões investidos.
Segundo Brandão, a revisão dos decretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que alteravam o marco original, deve dar força para a aceleração no ritmo de investimentos no setor, porque isso devolve a segurança jurídica prevista no marco.
“Mesmo os investimentos que já foram contratados, eles ainda não deram resultados. Então, se a gente olhar ao longo do tempo, a gente vai ver os investimentos que estão previstos nos contratos. Eu vejo positivamente o caminho que a gente está seguindo nessa agenda de participação privada de investimento no saneamento”, afirma.
Radamés Casseb destaca ainda a forte participação de fundos estrangeiros em empresas de saneamento brasileiras. É o caso, por exemplo, das canadenses CPP Investments e AIMCo, que detêm, respectivamente, 29,9% e 10,8% da Iguá, e o GIC – fundo soberano de Singapura -, que detém 34,34% da Aegea.
“Vários fundos internacionais de infraestrutura estudam os leilões, à espera de um momento para aportar seus investimentos”, diz Casseb.
O executivo tem uma visão diferente de Brandão e acredita que os investimentos contratados até aqui ainda são muito pequenos em relação ao que tem de demanda no Brasil. “Principalmente nas regiões com renda familiar mais baixa, mais vulneráveis, no Norte e Nordeste”.
Mas, segundo o profissional, o engajamento para aumento de capital não deve partir das empresas privadas, mas deve ser um movimento do governo o de criar um ciclo virtuoso para atrair mais investimentos e estruturar novos projetos.
“Ele é o principal ator. Esse serviço é um serviço público. Então, o gestor público de diversas instâncias vai ter que tomar uma decisão estratégica”, afirma. “A jornada onde o privado atua em uma concessão é uma jornada de exploração desses serviços como contrapartida para fazer o investimento por 30 anos. E depois esse serviço volta para o Estado”, completa.