*Renato Benvindo Frata
Uma filosofia de boteco diz: “se o vizinho é mais forte, não lhe cobice as coisas!” Belo exemplo de que em se não podendo com o inimigo, melhor se aliar. Pois foi assim que se deu entre mim e a insônia. Eu me aborrecia em ver no espelho minha cara amarrotada, olhos vermelhos e cabelos alvoroçados como tendo passado a noite na esbórnia, quando ficara rolando como a um bife em frigideira fria.
Então mudei a maneira de pensar ao descobrir que a insônia que me maltrata, mora com minhas pálpebras oculares, ali escondida como bandido que espera o anoitecer para atacar. E ataca! Na madruga. Com a fuzarca que faz com pensamentos, lembranças e problemas que não me cabe, sozinho, resolver. Também com coisas que fiz e não deveria, e que deveria e esmoreci. É o estoque de sentimentos que ele cataloga ao longo do tempo, para despejá-los na consciência em noites passadas em claro. Um inferno que só quem não dorme pode avaliar. E fica ali roendo como ratazana. Mas agora, com a filosofia de boteco aplicada, resolvi o problema: que não vou mais brigar com ela. Vou me aliar a ela. E não será covardia, mas inteligência. Sabe por que? A insônia é curiosa e, não a mais xingando como faço às noites de olhos estatelados e respiração cansada, a atrairei como companheira. E assim, a induzirei a derramar no meu colchão outro tipo de pensamentos, para quando usar esse seu tempo de fuzarca, fazê-lo com poesia!
Tão claro e tão límpido. Se não posso dormir e se não aceito mais ruminar problemas insolúveis, melhor será não perder o tempo com eles.
É, farei poesias enquanto não durmo! Tá resolvido.
Claro que nas madrugadas sem a ajuda de álcool e de música a darem inspiração, ao fazê-las, não precisarei me preocupar com métrica ou rima e nem com a ordem romântica que o poeta verdadeiro põe nos traços a lápis que dá. Dedicarei às poesias ali fluídas dos sentimentos, o jeito puro em que vierem, na forma que aparecerem e nas cores esplendorosas que tiverem. Serão aquelas que verei com olhos perscrutadores de falcão, que aspirarei como se em jardim florido, que ouvirei como o cão ao guardar casa em noite escura, que sentirei na pele o contato amoroso que concebe a paixão, a um homem apaixonado. Bem assim.
Acho que a receita é boa. Sim, usarei nas madrugadas insones a poesia que está em mim latente e saída do coração, que fica à minha volta guarnecendo as paredes do meu quarto e também centradas ali, do meu lado, na cama junto a mim, estendida no mesmo colchão macio a me fazer companhia e a respirar seu sono de mansidão como se pisasse nuvens, em sonhos de quimera.
Falo da minha mulher que ao dormir, se preocupa com meu não sono. Preciso mais inspiração além dela com quem convivo há mais de cinquenta e com quem divido o bom e o ruim? Certeza que não. Será parceira, para poetizarmos a quatro mãos!
A poesia, aprendi, por mais que a releguemos, a afastemos por atos, palavras e gestos, estão imanentes em nós. Vivem na nossa pele a sentir o vento, o quente, o frio, o liso, o áspero, o leve, o pontiagudo, o riso, o choro. Vive em nosso respirar, no olhar, no ouvir, nos passos que damos, e, confesso, não há insônia que resista a um belo, gracioso, gostoso e respeitoso carinho trocado em plena madrugada…