Lá vinha no final da tarde marchando rápido sobre aço na ossatura de dormentes, o trem com vagões de carga e de passageiros. Sua chegada era avisada na curva, logo acima da estação quando o maquinista, puxando o cordão do vapor, vazava um longo apito da enorme garganta de ferro escoando aos ventos sem tropeço, momento que o povaréu curioso se mexia acorrendo em alvoroço à plataforma, presenciar a chegada.
Homens com flores esperando esposas, mulheres com crianças no colo recebendo os maridos e nós, engraxates e carregadores de malas, em busca de serviço. Tudo acontecia em minutos na afoiteza da pressa em descer, outros com a de entrar para o início de viagem enquanto o maquinista, com habilidade, desconectava a locomotiva e a dirigia à caixa d’água e ao reabastecimento de seus tanques.
Os que desciam batiam-se nas mangas e lapelas tirando ciscos e fuligem. As mães procuravam limpar as bocas lambuzadas de doces dos filhos, e o bom nessa hora é que todos, sem exceção, portavam malas grandes, pesadas, além de capotes e chapéus nos ombros e braços, precisando ajuda.
Uma gostosa e alegre confusão na plataforma da estação ferroviária.
– Precisa de carregador, senhora?
– Vai graxa aí, moço? – oferecíamos aos preocupados em bem chegar.
Muitas vezes nem perguntavam o preço: depositavam os pés sobre as caixas ou nos entregavam malas para serem levadas aos jipes-taxis, e nos pagavam generosamente e sempre além do que pedíamos, garantindo, com isso, o pão e o leite da manhã seguinte.
Logo, novo apito ensurdecedor avisava a retomada e o trem, como um boi brabo cuspindo bafejadas de vapor, saía gingando vagões na sinuosidade dos trilhos enquanto ganhava velocidade.
O chefe da estação consultava o relógio de bolso, anotava a hora da partida, passava-a ao telegrafista que, com toques rápidos, comunicava ao colega da estação seguinte na simetria de um tempo cujas horas pareciam mais lentas.
Achávamos heroica a figura do maquinista fuçando botões e alavancas para o trem se mexer, e sentíamos dó do foguista, não menos herói, com a obrigação manter acesa e na temperatura certa a enorme fornalha, de cuja energia o municiava.
Vivia coberto de fuligem negra que o encapava por inteiro, sobrando em cor natural apenas os olhos e o interior da boca, que víamos por seu largo sorriso ao abanar as mãos em adeus, até que a primeira curva o escondesse.
Pequena história que a modernidade consumiu substituindo máquinas a vapor pelas possantes a óleo, mais rápidas e que também foram abandonadas pela tal obsolescência. E, por fim, a retirada dos grandes esqueletos de aço e madeira e o descarte dos comboios.
A malha rodoviária com asfalto e os caminhões se tornaram mais viáveis naquilo que o momento ditava. Nossa matriz de transportes hoje pena com a malha rodoviária que, quando não terceirizada em caríssimos pedágios, se mantém em péssimo estado e sem previsão de melhora. Além da emissão de carbono dos milhões de veículos a empestar nossos pulmões.
O Governo? Esse continua inerte como o gigante adormecido em berço esplêndido, lembrado em nosso hino.