Renato Benvindo Frata, professor, advogado, integrante da Academia de Letras e Artes de Paranavaí – Alap
Noutro dia plantaram um poste na minha esquina. Pregaram nele um fio comprido que o unia a outro, da outra esquina, talvez para não se sentirem tão abandonados como são os postes sustentadores de bruxas e corujas.
Pois de repente, bem no seu travessão, se assentou um joão-de-barro que cantou à moda dos joões forneiros, e era lindo; parecia dizer a alguém distante que poderia vir, estaria a construir a casa com a porta dirigida ao Norte, evitando assim as fortes chuvas vindas do Sul. Cantava, sem dúvida, uma promessa de amor.
O fato é que o joão, sem esperar por esse alguém danou a descer, ciscar, amassar, bicar e subir ao travessão sabe-se lá quantas vezes, depositando ali pequenos tufos de barro aos quais amassava juntando-os, ao tempo que lhes dava forma. Seguiu nessa persistência até construir a base ligada à travessa e, sem desistir, a moldar as paredes circulares compondo loguinho dois cômodos com direito à divisória, um dos quais destinado à postura e incubação, para provar sua boa intenção.
Não sei quantos dias gastou, mas o tempo se cronometrado entre descidas e subidas mantidas na estreita frequência, diria que um relógio funciona dentro dele. E o mais bonito, o mais interessante era que a cada subida e largada de barro à massa no poste, ele parava encrespando as penas do peito e das costas e esgoelando alto, cantava a chamar por esse alguém. Pedia que viesse ver a obra do hercúleo trabalho e, se tudo estivesse a contento, que o ajudasse a concluí-lo dando à casa os retoques finais, – que somente as fêmeas conseguem fazer com perfeição.
E chamou, e chamou, chamou… Pois lá perto do vigésimo dia e com a mesma disposição com que escolhera o poste como seu CEP, já bem pertinho das cinco quando o sol recolhia seus pertences para se amoitar, uma joaninha-de-barro se assentou com ele, a conferir. Andou daqui e dali, entrou e saiu da obra.
Pimpona. Mandona! Detalhista! Fiscal! Verdadeira dona de casa…
Meio inseguro com a presença dela ele esperou, esperou, esperou e quando já desistia de esperar, ela, aos pulinhos, cantarolou folgando e, se aproximando lentamente dele como se sorrisse, estendeu as asas abrindo em leque a cauda quando, em ato continuo, lhe virou as costas, agachando-se. E aguardou. Era a vez de ela aguardar… E o direito dele de amar foi a paga pelo ótimo trabalho realizado.
Ufa!
Logo ela se poria na ajuda com toques femininos de arremates aqui e ali, e a casa seria por eles habitada. Para tanto, ela tiraria de si boa parte das penas, enquanto ele buscaria pequenos ramos a dar sustento ao macio do ninho, para esperar pelos ovos e depois, pelos filhotes a nascerem no cômodo reservado e seguro.
E só depois, terminada essa fase do idílio, estando ali fora empoleirado naquele cocuruto de poste a cantar satisfeito com a conclusão da tarefa, gozaria a vida a três ou quatro, lembrando que a canseira, os suores e a preocupação tidas enquanto trabalhava era compensada pelas benesses que a vida oferece a quem não vê nas dificuldades estafantes do trabalho um obstáculo, mas tão somente a oportunidade, a única maneira de a conseguir.
Para dizer que o aproveitar da oportunidade é a vitória de um intento, mesmo que para isso se tenha que se equilibrar num cocuruto. De poste, por exemplo.