VINICIUS SASSINE
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A desobrigação da vacina contra a Covid, a falta de estímulos à segunda dose e a ausência de diretrizes objetivas sobre imunização nas três Forças Armadas levaram os militares brasileiros a se vacinarem menos do que a população adulta em geral.
Dados de vacinação no Exército e na Aeronáutica, fornecidos à Folha por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação), mostram uma quantidade expressiva de militares sem o ciclo completo de imunização -duas doses ou dose única.
Em termos proporcionais, há menos militares vacinados com as duas doses do que a população adulta em geral, levando-se em conta os dados compilados pelo consórcio de imprensa formado por Folha, UOL, O Estado de S. Paulo, Extra, O Globo e G1. Os dados são das Secretarias Estaduais de Saúde.
A proporção de imunizados no Exército chega a ser inferior até mesmo quando incluídos os adolescentes na população geral de vacinados.
Já a Marinha nem controle tem sobre a vacinação dos militares, conforme resposta fornecida via Lei de Acesso. A Força está no escuro e não sabe quantos estão vacinados contra Covid-19.
A reportagem também usou a LAI para pedir que Aeronáutica e Marinha informassem diretrizes editadas pelos comandantes durante a pandemia, a exemplo do que fez o comando do Exército -e que foi motivo de mais um curto-circuito na relação com Jair Bolsonaro (PL), em razão de uma menção à vacinação na diretriz estabelecida. O presidente critica vacina, máscara e distanciamento.
O comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, não editou diretrizes próprias para os comandados, tendo se baseado apenas em uma portaria do Ministério da Defesa de março de 2020, ainda no começo da pandemia.
As atualizações da portaria, citadas na resposta via LAI, não trataram de orientação sobre vacina. Baptista Junior é o mais bolsonarista dos três comandantes das Forças.
O comandante da Marinha, almirante de esquadra Almir Garnier Santos, já deu demonstrações públicas de alinhamento ao bolsonarismo. Garnier também não editou diretrizes próprias para o combate à pandemia. A Força se baseou na mesma portaria da Defesa citada pela Aeronáutica.
Em 24 de janeiro, o Exército informou que havia 143.512 militares da ativa com o primeiro ciclo vacinal completo. Segundo a Força, a quantidade equivalia a 68% do total.
Até aquele momento, portanto, havia 67,5 mil integrantes do Exército sem o primeiro ciclo completo de imunização contra a Covid-19. Desse total, 21,1 mil não haviam tomado nem a primeira dose, ou 10% dos militares da ativa.
Os dados do consórcio de imprensa para 24 de janeiro mostram que, naquele dia, 91,7% da população adulta tinha o primeiro ciclo vacinal completo.
Somados os adolescentes com 12 anos ou mais, essa proporção era de 82,6% naquele dia. Na população em geral, incluídas as crianças, o índice de vacinados era de 69%.
“Não há termo de responsabilidade para militares que não desejam se vacinar. A vacinação no Exército segue o Plano Nacional de Imunização do Ministério da Saúde, no que concerne às regras”, afirmou a Força, na resposta via LAI.
O Exército não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, foi o único dentre os três líderes das Forças Armadas a editar um conjunto de diretrizes a ser adotado durante a pandemia.
Um documento com 52 diretrizes ficou pronto em 3 de janeiro. Um único ponto, o de número 22, faz referência à vacinação contra a Covid.
Oliveira estabeleceu que se avaliasse o retorno às atividades presenciais de militares e servidores, “desde que respeitado o período de 15 dias após imunização contra a Covid-19”.
O comandante fez referência ao primeiro ciclo completo de vacinação. Mas fez uma ressalva: “casos omissos” devem ser submetidos ao Departamento Geral do Pessoal do Exército para “adoção de procedimentos específicos”.
A adoção das diretrizes incomodou Bolsonaro. A cúpula do Exército cogitou dar uma explicação pública sobre o documento, e fez chegar ao presidente que não havia mudança de orientação sobre a obrigação da vacinação.
Não houve nem mesmo uma inovação em relação a regras, uma vez que o próprio ministro da Defesa, Walter Braga Netto, editou uma portaria em novembro de 2021 com orientação semelhante, o que foi explicado ao presidente. A crise esfriou antes mesmo de ganhar corpo.
A imunização contra a Covid-19 não é obrigatória nas Forças Armadas. Já as vacinas contra febre amarela, tétano, hepatite B e outras doenças são exigidas na caserna e constam no calendário de vacinação militar, definido pelo Ministério da Defesa.
No caso da Aeronáutica, não houve diretrizes próprias do comandante. E, entre as portarias da Defesa citadas como norteadoras do combate à pandemia, não consta a que trata de retorno ao trabalho presencial e que traz uma orientação sobre vacinação.
Na Força Aérea, até 18 de janeiro, 50.355 militares haviam se vacinado com duas doses, ou 75,9% do total. Assim, 16 mil integrantes da ativa da Aeronáutica não tinham o primeiro ciclo completo naquele momento.
Na população adulta em geral, naquele dia, o índice de vacinação era de 91,2%. Com a inclusão dos adolescentes, caía para 82,2%.
A Força passou a atualizar os números e torná-los públicos em seu site na internet. No dia 17 de fevereiro, os vacinados com a primeira dose eram 64,5 mil militares da ativa, ou 97,6%. Com o ciclo completo, eram 59,1 mil, 89,4% do total.
Entre os adultos em geral na população brasileira, o índice chegava a 94,8%. E, na população em geral (incluídas as crianças), era de 71,4%.
“Os índices no âmbito da FAB superam os da média nacional”, afirmou a Aeronáutica, em nota, usando como parâmetro de comparação a população em geral.
“Desde o início da pandemia, a FAB adotou todas as diretrizes e recomendações do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde a fim de orientar o seu efetivo militar, servidores civis, dependentes e pensionistas nas medidas de prevenção e proteção contra a ameaça representada pela Covid-19”, disse a nota.
Houve recomendações e campanhas para barrar a infecção pelo coronavírus, o que incluiu a disponibilização da vacina, conforme a Força.
“Fica evidenciada a constante preocupação da FAB em preservar a saúde de seu efetivo sem cessar suas atividades em prol do Brasil, com o efetivo na linha de frente do enfrentamento da pandemia.”
A Marinha não respondeu aos questionamentos da reportagem. Por meio da LAI, a Força informou que “somente possui controle das vacinas previstas no calendário de vacinação militar”, o que não é o caso do imunizante contra Covid.
“Os militares da Marinha, como fração da sociedade brasileira, vêm cumprindo a referida vacinação, de maneira voluntária, em conformidade com o cronograma estabelecido pelas autoridades sanitárias do país”, disse a Marinha.
A Força segue as orientações sanitárias determinadas pelos Ministérios da Saúde e da Defesa, afirmou.
“A Marinha vem mantendo grande esforço de planejamento e controle para preservar o aprestamento e manutenção da prontidão da Força, ao mesmo tempo que provê um ambiente de trabalho seguro para o seu pessoal.”
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