Uma nova pesquisa analisou 528 casos de varíola dos macacos e concluiu que 95% das infecções ocorreram durante o contato sexual. A doença não é considerada uma infecção sexualmente transmissível (IST), mas é disseminada principalmente por contatos durante o sexo neste novo surto, considerado como emergência pública de preocupação global pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
O Brasil registrou 607 casos da doença até a última sexta-feira (22). O saldo é mais do que o dobro verificado no último dia 9, quando havia 218 diagnósticos confirmados em todo o país. O novo estudo foi publicado na última quinta (21) no New England Journal of Medicine. Os 528 casos analisados na pesquisa foram registrados em 16 países -o Brasil não compõe a amostra- entre abril e junho deste ano.
A pesquisa aponta que 95% das infecções se deram por contato próximo que aconteceu durante o sexo. A conclusão, embora não seja possível confirmá-la completamente, envolve o fato de que 406 dos participantes tinham histórico recente de atividades sexuais com uma média de cinco parceiros sexuais nos últimos três meses.
Em sua grande maioria, os infectados eram homens gays ou bissexuais -eles representaram 98% dos participantes. Clarissa Damaso, que não assina o estudo e é virologista da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), diz que esse perfil demográfico já era observado em grande parte dos países com novos diagnósticos da doença.
A OMS também já havia alertado que a disseminação da doença se dá principalmente em homens que fazem sexo com outros homens. Segundo a organização, 90% dos casos confirmados são nessa população -percentual próximo ao encontrado na nova pesquisa. Um receio é que este cenário cause estigma a homens que mantêm relações sexuais com outros homens. “Estigma e discriminação podem ser mais perigosos que qualquer vírus”, afirmou Tedros Adhanom, diretor-geral da organização.
No estudo recém-publicado, o sêmen de 32 pacientes foi analisado para averiguar a presença do DNA do monkeypox, vírus que causa a varíola dos macacos. Desse número, 29 registraram a presença do patógeno. Outras pesquisas já tinham identificado o vírus no sêmen de pacientes. No entanto, nenhuma identificou o vírus ativo no sêmen ou em fluido vaginal, afirma Damaso. É por essa razão que a varíola dos macacos não é considerada como uma IST.
Mesmo assim, os autores do estudo explicam que a presença do vírus no sêmen é um indicativo de que a transmissão deve ter ocorrido, em sua maioria, por meio de contato sexual. A presença de lesões localizadas nas regiões genitais, anais e orais é outra evidência da pesquisa que ratifica a hipótese da transmissão por contato sexual. Esse padrão já vinha sendo reconhecido, diz Damaso, que também é uma das pesquisadoras que compõem o grupo de trabalho para enfrentamento da varíola de macacos organizado na UFRJ.
Ela afirma que as lesões causadas pela varíola dos macacos, em seu quadro mais comum, ocorrem principalmente nas extremidades: braços, pernas e rostos, por exemplo. “Ter lesão genital não é característico de monkeypox, exceto neste surto atual se houve a transmissão pelo contato sexual.” A virologista diz que já existem casos de pacientes que não percebem outros sintomas comuns à varíola dos macacos, como febre, e apresentam somente as lesões na genitália, ânus ou região oral.
“Esse quadro que varia muito é que tem sido um problema na identificação por parte de quem atende”, diz. Por isso, Damaso diz que, no momento atual, o aparecimento de lesões já deve fazer com que o paciente seja considerado suspeito para monkeypox a fim de evitar o descarte de casos que podem ser causados pela doença.
Varíola dos macacos e ISTs Mesmo que não seja considerada como uma IST, o aumento de evidências sobre a transmissão da varíola dos macacos por contato sexual aproxima a doença dessas infecções. Um exemplo é do próprio estudo recém-publicado, no qual 377 participantes com monkeypox fizeram testes para ISTs e cerca de 29% tiveram resultados positivos para alguma dessas outras infecções.
Dados como esse mostram que é possível ter uma coinfecção de monkeypox com outras ISTs. Damaso afirma que isso é importante porque alguns profissionais de saúde podem considerar que, se o paciente apresentar teste positivo para algumas das infecções sexualmente transmissíveis, o exame para a varíola dos macacos poderia ser descartado -algo que ela condena. “Não pode excluir monkeypox se a pessoa testar positivo para sífilis secundária ou gonorreia, por exemplo”, conclui.
FolhaPress