A acumulação do exercício do mandato de vereador com o cargo efetivo de contador do Poder Legislativo municipal pode comprometer significativamente a adequada gestão e fiscalização da administração pública; e contraria o ordenamento jurídico, em razão da ofensa aos princípios da legalidade, moralidade e da segregação de funções.
Em consideração à parte final do inciso III do artigo 38 da Constituição Federal, no caso de incompatibilidade, o vereador será afastado do cargo de contador da câmara municipal e poderá optar pela sua remuneração ou pelo subsídio do mandato eletivo.
Em relação ao cargo de contador do Legislativo que ficar temporariamente vago, o município poderá adotar as seguintes medidas administrativas, nesta ordem: substituição por outro contador do quadro de servidores da câmara municipal; substituição por outro servidor do quadro de servidores da câmara municipal que tenha formação superior em Contabilidade; avaliação da possibilidade de abertura de concurso público ou processo seletivo para contratação temporária de contador; consulta ao Poder Executivo sobre a possibilidade de cessão de servidor contador ou servidor com formação superior em Contabilidade para ser designado a exercer suas funções no Poder Legislativo; e consulta ao Poder Executivo sobre a possibilidade do contador do município assumir as atividades de contabilidade do Poder Legislativo, mediante formalização de termo de cooperação técnica.
Essa é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pela Câmara Municipal de Inajá (Região Norte). O presidente do Legislativo em 2021 questionou se haveria possibilidade de acumulação do mantado de vereador com o cargo de contador da câmara, em razão da previsão do inciso III do artigo 38 da Constituição Federal.
Instrução do processo – A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR lembrou que a Corte tem entendimentos já firmados em relação à incompatibilidade do exercício da vereança com o de cargo efetivo de procurador ou de contador da câmara, em razão de violação dos princípios da moralidade, impessoalidade e segregação de funções.
A unidade técnica afirmou que nesse caso seria necessário o afastamento do servidor do cargo efetivo de contador para exercer o mandato de vereador, com direito de opção pela remuneração do cargo de origem ou pelo subsídio do cargo eletivo.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) lembrou que há conflito de interesses entre as funções de contador e vereador, já que a documentação da gestão orçamentária, financeira e patrimonial do município, de responsabilidade desse servidor, é objeto do controle externo exercido pelo parlamentar.
Legislação e jurisprudência – O artigo 31 da CF/88 dispõe que a fiscalização do município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.
O parágrafo 1º desse artigo expressa que o controle externo da câmara municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver; e o parágrafo seguinte (2º) fixa que o parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da câmara municipal.
O inciso III do artigo 38 da CF/88 estabelece que ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional investido no mandato de vereador, caso haja incompatibilidade, será aplicada a norma do inciso II desse artigo, a qual fixa que o servidor deverá ser afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração.
O Acórdão nº 2923/20 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 617275/19), que tem força normativa, fixou que servidor não pode acumular o cargo de contador municipal com a função de vereador, em razão do conflito de interesses entre as funções, pois o contador é responsável pela documentação da gestão orçamentária, financeira e patrimonial do município, que é objeto do controle externo promovido pela respectiva câmara municipal com o auxílio do Tribunal de Contas.
Esse acórdão também expressa que as atribuições inerentes à prestação e ao julgamento de contas devem ser desempenhadas por agentes públicos distintos, para garantir a segregação de funções e a preservar a integridade de ambas as atividades.
Essa decisão dispõe, ainda, que se o contador municipal for eleito vereador, aplica-se, por analogia, o disposto no artigo 38, III, da Constituição Federal (CF/88). Assim, o servidor deverá ser afastado do cargo efetivo para exercer o mandato parlamentar, com direito à opção pela remuneração do cargo de origem ou pelo subsídio do cargo eletivo.
O Acórdão nº 3970/14 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 880683/13), que também tem força normativa, reconheceu a impossibilidade de exercício concomitante do cargo de procurador jurídico da câmara municipal com o mandato de vereador. A decisão fora motivada pelo possível comprometimento da independência do exercício de ambos os ofícios, em razão do conflito de interesses e da ausência de imparcialidade no desempenho das atividades.
Decisão – O relator do processo, conselheiro Nestor Baptista, concordou com a CGM e o MPC-PR. Ele entendeu que a acumulação do cargo de contador municipal com o de vereador comprometeria a independência no exercício dos ofícios, em razão do conflito de interesses.
Baptista lembrou que o TCE-PR já decidira pela impossibilidade de acumulação de cargos públicos de contador do município e de procurador do Legislativo com exercício de vereança. Ele ressaltou que a fundamentação dessas decisões, que têm efeito normativo, baseia-se no postulado da separação entre os poderes e nos princípios da legalidade, moralidade e da segregação de funções
O conselheiro frisou que a acumulação questionada violaria os princípios da legalidade, moralidade e segregação das funções; e que o princípio da impessoalidade também estaria prejudicado pela possibilidade de o contador do Legislativo manipular ou não praticar ato de ofício do seu cargo efetivo em razão dos seus interesses como detentor de mandato eletivo.
O relator explicou que as atribuições do cargo de contador têm forte vinculação com a atividade de planejamento do Poder Executivo, inclusive por meio do controle contábil da gestão orçamentária, fiscal e patrimonial do município; e, em contraposição, nas atribuições legislativas tradicionais está incluído o controle externo do Poder Executivo.
Baptista considerou evidente a existência de conflito, pois o mesmo agente estaria envolvido na elaboração das contas do prefeito municipal e, como membro do legislativo, na fiscalização dessas contas.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na Sessão nº 5/22 do Plenário Virtual do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 13 de abril. O Acórdão nº 849/22 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 27 de abril, na edição nº 2.755 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).