*Fernando Gambôa e Maurício Godinho
Muitos consumidores acreditam que os ingredientes são exatamente os que constam nas embalagens, mas uma pesquisa publicada no ano passado mostrou que a realidade é bem diferente. Estudo realizado pelo Journal of Education and Health Promotion apontou que metade das pessoas não lê os rótulos dos alimentos e 58% destas disseram que não entendem tais informações.
Esse fato ajuda a explicar a razão de, em todo o mundo, muitos consumidores não receberem por aquilo que estão pagando. Produtos falsificados estão custando bilhões de dólares por ano aos fabricantes, além de prejudicar a saúde da população. São cada vez mais frequentes relatos de apreensão de alimentos adulterados com ingredientes mais baratos, comercializados como sustentáveis quando não são ou que tentam se assemelhar a uma marca favorita de melhor qualidade.
Em casos extremos, a fraude é tamanha que não há nenhuma semelhança com os ingredientes do rótulo. Isso aconteceu em Israel, em 2004, quando funcionários do Ministério da Saúde apreenderam 80 mil latas de comida de cachorro que haviam sido rotuladas para serem vendidas como patê de fígado de ganso, iguaria conhecida como foie gras.
Dados apurados pela KPMG indicam que o sistema alimentar mundial movimenta cerca de oito trilhões de dólares por ano. E, em mercados com altos níveis de falsificação de produtos, o prejuízo pode chegar a até 5% da receita. Ainda que não haja um número que possa calcular as perdas, acredita-se que o custo das fraudes pode superar os 100 bilhões de dólares.
Isso parece muito dinheiro, mas há muitos golpes ocorrendo no setor. Algumas vezes, o crime é rotular erroneamente como no infame caso de um produtor do estado norte-americano da Pensilvânia que vendia um produto “100% parmesão”. No entanto, ele comercializava outro tipo de queijo, em nada parecido com o ofertado. Em outro exemplo, estimativas sugerem que pelo menos 70% do azeite extravirgem importado pelos Estados Unidos contêm óleos mais baratos e de menor qualidade.
A fraude é ainda mais frequente em produtos com frutos do mar. Em média, cerca de 30% de tudo o que é vendido no mundo foram rotulados incorretamente na última década. Substituir um peixe mais caro por um mais barato é um dos ardis mais fáceis de serem realizados, considerando a complexidade da cadeia de suprimentos, a quantidade limitada de testes em muitos países e a relativa falta de conhecimento do consumidor.
Com algumas fraudes alimentares, as consequências são imediatas e terrivelmente aparentes. No caso mais letal da história recente, em 1981, o óleo de canola foi revendido como azeite para comerciantes ambulantes da Espanha. Sabe-se que mais de mil pessoas morreram de uma reação alérgica, e um fato preocupante é que os cientistas ainda não encontraram a causa biológica precisa para isso até hoje. O escândalo da carne de cavalo na Europa, em 2013, não matou ninguém, mas a revelação de que alguns hambúrgueres continham carne de cavalo e algumas lasanhas não continham carne bovina abalou a fé dos consumidores no setor, na cadeia de suprimentos e nos órgãos reguladores.
Muitas fraudes alimentares são oportunistas e ocorrem dentro das fronteiras de um país, mas são poucas as nações que possuem regulamentos específicos de falsificação e segurança alimentar para processar os infratores. E, embora esse tipo de crime seja atualmente parte das atribuições da Interpol, a organização internacional de polícia criminal, a maioria dos governos é reativa, em vez de proativa.
Embora as regulamentações globais tenham se ajustado de alguma forma, é interesse do próprio setor promover mudanças, combater fraudes e recuperar a confiança dos consumidores. As empresas estão cientes dos riscos e estão reagindo, considerando inclusive as pressões competitivas que sofrem em relação ao preço, tentando manter os custos baixos. As possíveis soluções são orientadas pela tecnologia, com um grande componente educacional, e capazes de gerar transparência para todos. Afinal, marca nenhuma se sustenta sem a confiança dos consumidores.
*Fernando Gambôa é sócio-líder de consumo e varejo da KPMG no Brasil e na América do Sul e Maurício Godinho é sócio-líder do segmento de alimentos e bebidas da KPMG no Brasil