FÁBIO PESCARINI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O buldogue Zé Carlos, ou Zeca, ao longo de seus oito anos e meio de vida, sempre dormiu com sua tutora, a advogada Nayele de Freitas Guidetti, 34. A única concessão que o cão fazia era para Carmen Lúcia, da mesma raça, que as vezes ocupava seu espaço. Porém, desde o dia 7 de agosto, o lugar de Zeca na cama ficou vazio, e toda a família moradora do Brooklin, zona sul de São Paulo, encara um doloroso luto. O cão morreu, segundo suspeita Guidetti, vítima de intoxicação após comer um petisco contaminado.
“Não durmo e não como direito. Desde então, estou à base de antidepressivo. Ele era minha vida”, afirma a advogada. “A Carmen Lúcia precisou passar por um adestrador.”
Segundo a tutora, Zeca morreu uma semana depois de ter comido o petisco Every Day, produzido pela Bassar Pet Food. A fabricante está sendo investigada pela Polícia Civil por suposta contaminação. Ao menos nove mortes de cães, sendo sete em Minas Gerais e duas em São Paulo, estão sendo investigadas.
Os produtos identificados com suspeita de contaminação são o Every Day sabor fígado (lote 3554) e o Dental Care (lote 3467), de acordo com o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). A Bassar divulgou que, “por precaução”, também iniciou a retirada do lote 3775 da marca Bone Everyday assim que soube das denúncias.
O petisco Petz Snack Cuidado Oral, também fabricado pela Bassar, está na lista de investigados.
O ministério determinou nesta sexta (2) o recolhimento nacional de todos os lotes de produtos da empresa “diante dos riscos iminentes à saúde de animais”. A fábrica envolvida na produção dos lotes, em Guarulhos (SP), também foi interditada.
Os animais com suspeita de intoxicação sofreram convulsões, vômito, às vezes com sangue, diarreia e prostração.
Em uma nota em seu site, a Bassar Pet Food declarou que está contratando uma empresa especializada para fazer uma inspeção detalhada de todos os processos de produção e do maquinário em sua fábrica.
A rede Petz foi procurada por telefone e por email, mas não retornou até a publicação desta reportagem.
Nayele Guidetti disse que foi a primeira vez que comprou o petisco. Segundo ela, o cão Zeca começou a passar mal horas depois de comer o ossinho, em 31 de julho. No dia seguinte, o buldogue foi levado a uma veterinária, que perguntou se o animal poderia ter ingerido alguma coisa com veneno, por causa dos tremores. “Falamos que a única coisa diferente era o petisco, que ficou lá para análise”, disse.
Entre idas e vindas, Zeca acabou internado dois dias depois, com índices muito altos de creatinina e ureia, o que indicaria problemas nos rins. “Não deu tempo nem de tentar hemodiálise, pois ele morreu no dia 7 de agosto”, afirma a tutora, que diz ter gastado cerca de R$ 30 mil com a internação e medicamentos para o buldogue.
A tutora conta ter ficado sabendo, no último dia 1º, sobre as mortes em Minas Gerais. A partir daí, ela fez publicações em redes sociais com sua história, que viralizaram, e montou um grupo no WhatsApp. Em dois dias, juntou tutores de 30 cachorros que ou morreram ou estão internados, de várias partes do país, como Aracaju (SE), Laguna (SC), Porto Alegre (RS), cidades do litoral paulista e mais de uma dezena do município de São Paulo. “Estamos vivendo um luto coletivo.”
Guidetti também contratou um advogado, Fabio Baileiro, que está orientando o grupo de tutores.
Segundo Baileiro, no início ele pensava em propor uma ação coletiva, mas agora tem orientado as pessoas a buscarem a Justiça individualmente. “A situação de cada um é muito diversa”, explica.
O advogado tem pedido que todos reúnam documentos e registrem boletim de ocorrência na delegacia.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública, até o início da tarde deste sábado (3), só havia uma queixa em São Paulo, registrada por uma mulher, de 32 anos, que procurou o 27º Distrito Policial, no Campo Belo, na zona sul, sob a alegação de que seu cão, da raça sptiz alemão, morreu após ingerir petiscos, na segunda-feira (29).
De acordo com a polícia, a tutora disse que o cachorro começou a apresentar vômitos e diarreia, além de se recusar a beber água e se alimentar. Ele foi internado, mas acabou morrendo. Os petiscos foram apreendidos e encaminhados ao Instituto de Criminalística.
O bancário Marco Cruz, 41, afirma só não ter registrado boletim de ocorrência ainda porque tem passado muito tempo em um hospital veterinário na Vila Romana, na zona oeste de São Paulo, onde seu cão, o maltês Euriko, está internado desde o último dia 30, com insuficiência renal aguda.
No início, Cruz pensou que o cãozinho estava tendo mais uma crise de hipodrenocorticismo, doença que trata há um ano. Mas os índices elevados de creatinina e ureia mostraram que o problema era outro. “Acredito que ele vai virar um paciente renal crônico”, afirma o tutor, que tem seguro saúde para seu cão e, por isso, não está tendo custos com o tratamento.
Mas não é isso que aconteceu com a coordenadora de marketing Ana Paula Pascoaletto, 31, também de São Paulo. Ela gastou cerca de R$ 5.000 para tentar salvar Otto, também da raça maltês, que tinha 10 anos.
A tutora conta que, no dia 26 de maio deste ano, o maltês e os outros dois cachorros maiores da casa comeram o petisco Every Day. Mas foi Otto quem passou mal. O animalzinho, diz ela, vomitou muito e teve diarreia com sangue. Chegou a ficar três dias internado, mas morreu em 31 de maio.
“Durante três meses me culpei pela morte do meu cachorro, não me conformava por não ter percebido que ele tinha um problema renal”, afirma ela. “Mas agora é um luto novo e com revolta.”
Histórico Exame realizado pela Escola de Veterinária da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) em um dos cães cuja morte é investigada em Minas apontou falência nos rins como causa da morte e sugeriu, de forma não conclusiva, a presença de etilenoglicol no animal.
Uma outra substância da mesma família, o dietilenoglicol, foi encontrada nos consumidores da cerveja Backer, no final de 2019 e início de 2020. Dez pessoas morreram. Segundo a investigação, o dietilenoglicol usado para resfriamento de tanques entrou indevidamente em contato com a bebida por buracos nos compartimentos. A Backer afirma nunca ter comprado a substância.
Em nota, a fabricante dos petiscos disse que nunca utilizou o etilenoglicol em sua produção. “Utilizamos apenas o propilenoglicol, um aditivo alimentar presente em alimentos para humanos e animais em todo o mundo. Reforçamos que o propilenoglicol utilizado pela Bassar em seus produtos é adquirido de fornecedores qualificados e renomados, os quais não fornecem somente para Bassar e sim para inúmeras indústrias no ramo alimentar para humanos e animais”, afirma o comunicado.
A empresa afirma ainda que funcionários do ministério fizeram inspeções nos últimos dias “e atestaram que a fábrica atende a todos as normas de segurança alimentar e de produção”.
A fabricante declara ainda que não há nenhum laudo conclusivo sobre a causa das mortes dos cães.
“A empresa está solidária com todos os tutores de pets –nossos consumidores e razão de nossa empresa existir. Somos os maiores interessados no esclarecimento do caso. Por isso, a empresa vem tomando todas as providências para investigação dos fatos. Os consumidores podem tirar dúvidas pelo e-mail sac@bassarpetfood.com.br”, finalizou a nota.
A delegada Danubia Quadros, da Delegacia de Defesa do Consumidor, afirmou que vários lotes dos produtos da empresa foram encaminhados para análise. Disse também que estão em andamento exames toxicológicos nos animais mortos. Não há prazo para que fiquem prontos.
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