LEONARDO VIECELI E DOUGLAS GAVRAS
DA FOLHAPRESS
O Brasil caminha para a eleição presidencial de outubro com desemprego menor e mais vagas de trabalho do que em 2018, quando ocorreu a última disputa nas urnas.
A inflação acumulada, porém, dobrou desde então, e a renda real do trabalho encolheu em meio aos impactos da pandemia. Essa combinação, dizem analistas, joga contra a percepção de aquecimento da atividade econômica para uma parcela considerável da população.
Comparar a economia brasileira às vésperas do pleito de 2018 com o momento atual é como observar uma montanha-russa de expectativas, avalia Cosmo Donato, economista-sênior da LCA Consultores. Há quatro anos, diz, as perspectivas eram de previsibilidade fiscal, após a aprovação do teto de gastos, o andamento da reforma da Previdência e de uma possível discussão da reforma tributária.
“Estávamos caminhando para a normalidade, colhendo frutos das reformas que foram feitas e com expectativa de fazermos mais, mas o ambiente mudou completamente. Tivemos uma pandemia nesse caminho e, em termos de fundamentos, estamos em um cenário mais desafiador. Só que a lupa do curto prazo traz boas notícias, sobretudo pelo fim das restrições sanitárias e o impulso fiscal e social”, resume.
No trimestre até julho deste ano, o mais recente com dados disponíveis, a taxa de desemprego recuou para 9,1% no Brasil, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O indicador estava em 12,4% em igual período de 2018 (3,3 pontos percentuais acima).
O número de desempregados -pessoas sem trabalho e à procura de vagas- diminuiu em cerca de 3,2 milhões nesse intervalo. Passou de 13,1 milhões no trimestre até julho de 2018 para 9,9 milhões em igual período de 2022.
O número de ocupados com algum tipo de trabalho, por sua vez, teve acréscimo de 6,8 milhões, passando de 91,9 milhões para 98,7 milhões. O nível mais recente é o maior da série histórica iniciada em 2012, de acordo com o IBGE.
A inflação, por outro lado, passou a incomodar mais o bolso dos brasileiros. Nos 12 meses até agosto de 2022, intervalo mais recente com dados disponíveis, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulou alta de 8,73%. Em igual período de 2018, o avanço era de 4,19%. Ou seja, menos da metade.
De acordo com economistas, a inflação ganhou força com os efeitos da pandemia, que impactou a oferta e os preços de insumos, e da Guerra da Ucrânia, que elevou as cotações de commodities.
No Brasil, esses fatores foram potencializados pela alta do dólar, que subiu em meio a turbulências protagonizadas pelo governo Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição.
Em parte, a inflação foi responsável por encurtar a renda média do trabalho no país, aponta o economista Vitor Hugo Miro, professor do Departamento de Economia Agrícola e coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza na UFC (Universidade Federal do Ceará).
No trimestre até julho de 2022, o rendimento habitual, em termos reais, foi de R$ 2.693. A marca é 3,8% menor do que a de igual trimestre de 2018 (R$ 2.798). Na prática, é como se R$ 105 deixassem de ir, em média, para o bolso do trabalhador ocupado.
Os R$ 2.693 representam o segundo menor valor para o trimestre até julho na série histórica, conforme o IBGE. Só superam a renda registrada no mesmo intervalo de 2012 (R$ 2.685).
Os cálculos envolvem apenas os recursos obtidos com o trabalho. Transferências de programas sociais, por exemplo, não entram nas contas.
“Tem o componente dos salários, de postos de trabalho que estão sendo gerados com salários mais baixos, e a questão inflacionária, que vem corroendo o poder de compra. Esse cenário explica a renda mais baixa”, diz Miro.
Em relação ao trimestre imediatamente anterior (fevereiro a abril), o rendimento médio até subiu 2,9% em julho deste ano. Foi a primeira alta significativa em dois anos, segundo o IBGE.
“Um fator positivo deste momento pré-eleitoral é que o rendimento médio do trabalho está crescendo. Ainda não chegamos aos níveis de quatro anos atrás, mas não deixa de ser uma surpresa”, diz Hélio Zylberstajn, professor sênior da FEA/USP e coordenador do Projeto Salariômetro, da Fipe.
Ainda assim, ele reconhece que o eleitor médio não sente essa melhora, sobretudo pela inflação maior em 2022.
“A alta de preços corrói o poder de compra do salário. Se olharmos para as negociações coletivas, os trabalhadores não estão conseguindo ganhar da inflação -alguns só conseguem empatar com ela. Quando se vai ao supermercado, tudo ainda parece caro demais. Mais emprego não significa mais satisfação.”
Economia ‘polarizada’, diz analista – Na visão da Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), o cenário às vésperas da nova eleição é de uma economia “polarizada”, a exemplo do que ocorre na política.
Segundo a economista, o país conseguiu avanços nos últimos anos em áreas como concessões e marcos regulatórios. Contudo, indicadores como renda fragilizada e endividamento das famílias formam o “lado triste” da história, diz Matos.
Em agosto, o endividamento bateu recorde ao alcançar 79% dos lares do país, conforme a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). A série histórica teve início em 2010.
“Avançamos em alguns pontos, mas ainda falta bastante para uma economia mais sustentável. Várias reformas não foram continuadas, tem a questão da desigualdade social. Com a pandemia, os mais pobres sofreram mais, não só em termos de renda, mas também em educação”, avalia Matos.
Para ela, um dos desafios do país em 2023 será conciliar medidas de auxílio a camadas mais vulneráveis e uma agenda de reformas e responsabilidade fiscal.
“A gente sabe que este é um momento que demanda atuação do Estado, que precisa ao mesmo tempo ser reformista. A questão é combinar tudo”, afirma.
A economista Margarida Gutierrez, professora do Coppead/UFRJ (Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro), também chama atenção para esse ponto.
“O principal desafio de curtíssimo prazo é equacionar programas sociais com a sustentabilidade da dívida/PIB”, aponta. “Não dá para colocar tudo no Orçamento e dizer ‘vamos em frente'”, acrescenta.
Na visão de Gutierrez, a economia mostrou reação consistente após o choque da Covid-19. Ela define o atual momento da atividade como “muito bom”, em um nível superior ao de outros países.
No segundo trimestre deste ano, o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 1,2% no Brasil. A alta, segundo analistas, veio no embalo da reabertura de empresas e da liberação de recursos autorizada
Do governo federal.
Discursos na campanha – Pressionado pela perda do poder de compra da população, Bolsonaro aposta no segundo semestre no corte de tributos sobre itens como combustíveis e energia elétrica, além da ampliação do Auxílio Brasil às vésperas das eleições.
O presidente vem destacando essas medidas em seus discursos. Adversários de Bolsonaro, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à frente nas pesquisas de intenção de voto, buscam chamar atenção para questões como o aumento da fome e da pobreza.
O 9º Boletim Desigualdade nas Metrópoles, por exemplo, indicou em agosto que o número de pessoas em situação de pobreza saltou para 19,8 milhões nas metrópoles brasileiras em 2021. A população que passa fome no país chegou a 33 milhões de pessoas, de acordo com outro estudo publicado em junho.
O economista Jackson Bittencourt, coordenador do curso de ciências econômicas da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), avalia que a inflação segue como uma das pedras no sapato dos brasileiros.
A recente trégua do IPCA, afirma, veio concentrada em combustíveis devido aos cortes tributários. Alimentos continuam pesando no bolso da população, sobretudo a mais pobre, diz. Ele lembra que, com a carestia, o país vivenciou cenas de pessoas em busca de restos para se alimentar.
“O que o governo fez foi uma cirurgia no IPCA. Atacou itens como combustíveis e energia elétrica”, compara. “Para a virada de ano, a pauta é como seguir recuperando empregos e reduzir a inflação.”