ISABELA PALHARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após dois anos de aulas presenciais interrompidas pela pandemia, a expectativa era de que o ano letivo de 2022 seria de retomada da normalidade das relações escolares. As escolas, no entanto, se depararam com uma situação inédita de dificuldade de convívio e esgotamento mental dos alunos. Por isso, a saúde mental é vista como principal preocupação nesta volta às aulas.
Além das consequências do isolamento da pandemia, as dificuldades de aprendizado acumuladas nesse período trouxeram para os alunos ansiedade, frustração e estresse. Para evitar a repetição desse quadro, as escolas se preparam para trabalhar melhor as questões emocionais.
“O ano passado ainda foi muito atípico. Um ano em que vi muitos alunos com dificuldade na escola, o que gerou muito estresse e sofrimento. Eles chegaram ao fim do ano com dificuldade de serem aprovados, mudando de escola para passar de ano. E, isso traz um desdobramento importante para esse ano letivo”, diz o psiquiatra Gustavo Estanislau, especialista em infância e juventude.
Para ele, a frustração com os resultados escolares tende a acompanhar os alunos neste próximo ano letivo de 2023. Situação que é agravada, após a pandemia, quando muitas crianças e jovens perderam autonomia e segurança para lidar com os desafios comuns dessa fase.
“A defasagem é uma realidade em todas as escolas e regiões do país, mas não adianta despejar conteúdo e pressão em cima dos alunos. É preciso flexibilizar as cobranças e desafios escolares para que eles ganhem confiança e possam avançar”, diz.
O diretor de uma escola da zona sul de São Paulo, conhecida pelos bons resultados nos principais vestibulares do país, disse à Folha de S.Pailo, sob condição de anonimato, que os próprios professores pediram mais autonomia para administrar os conteúdos escolares por perceber que os alunos não estavam acompanhando.
Segundo ele, os docentes seguiram as recomendações da escola de manter o ritmo de anos anteriores e perceberam que os alunos estavam ficando frustrados e desanimados por não acompanhar. Ele contou que, ao fim do ano, percebeu um número muito superior de jovens diagnosticados com depressão ou ansiedade.
O diretor avalia que nem todos os casos estão relacionados a problemas escolares, mas reconhece que a escola não pode ter uma postura que possa agravar esses quadros. Por isso, disse que o colégio vai oferecer mais atividades artísticas e esportivas e reforçou o número de psicólogos.
A psicóloga Mara Rossi, que há 15 anos trabalha com adolescentes em fase pré-vestibular, conta ter recebido no fim de 2022 muitos casos de alunos com sintomas de burnout por conta das cobranças escolares e das atividades extras.
“São adolescentes que têm a agenda cheia, acordam e vão dormir com uma série de atividades: escola, reforço, curso de inglês, de redação, atividade física. Tudo vira uma cobrança. Não sobra espaço para o descanso e o lazer, que são necessários em todas as idades”, diz.
Para ela, não só as escolas devem ficar atentas com o excesso de cobrança, mas, principalmente, as famílias.
Luciene Tognetta, doutora em Psicologia Escolar pela USP, também destaca a importância das famílias se aproximarem e trabalharem em parceria com as escolas para promover um ambiente escolar mais saudável.
Para ela, a pressão em cima das escolas por resultados educacionais muitas vezes vem de uma cobrança dos pais em oferecer o melhor ensino para os filhos. No entanto, ela diz que é preciso olhar para a educação de uma maneira mais ampla.
“Bons resultados não são só aqueles que levam um jovem a uma universidade de renome. Bons resultados educacionais são aqueles que formam pessoas saudáveis, que vão saber conviver em sociedade. As famílias também precisam valorizar isso.”
Para os especialista, é fundamental que as escolas encontrem espaços e horários para trabalhar questões socioemocionais e para que os alunos possam relaxar. Eles reconhecem, no entanto, que esse é um desafio já que os colégios são cada vez mais cobrados a oferecer mais conteúdos e disciplinas.
A lei do novo ensino médio, por exemplo, prevê o aumento de 25% do tempo de aula em todo o país.
“São políticas muito bem-vindas, mas estão sendo implementadas de forma equivocada. Na prática, elas estão seguindo o caminho inverso do que fazem países desenvolvidos. Elas retiram os espaços de convivência para colocar mais conteúdo. Isso não vai se refletir em melhor desempenho, mas em mais estresse e falta de interesse com a escola”, avalia Tognetta.
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