ALEX SABINO E KLAUS RICHMOND
DA FOLHAPRESS
Roberto Gomes, 48, passou os últimos dias diante do computador e com a calculadora do lado. A pandemia da Covid-19 impediu que ele visse ao vivo o Palmeiras ser campeão da Libertadores de 2020 contra o Santos.
Ele não quer deixar que o preço da viagem e do ingresso lhe tirem a chance de acompanhar a final de 2021.
“Eu ainda não sei como eu vou. Mas vou. Ver pela TV o gol do Breno Lopes [que deu ao time o título continental] foi frustrante. Não vai acontecer de novo. Estarei no Centenário”, garante o comerciante.
Palmeirenses e flamenguistas estão unidos nessa aflição. Os custos da viagem ao Uruguai, hospedagem e ingresso, inviabilizaram o sonho de vários deles. Mas há quem não desista.
“Se conseguir o ingresso posso ir de carro, ônibus, barco… Esse não é o problema. Problema maior é o ingresso”, afirma o flamenguista Rodrigo Gomes Pereira, 36, vendedor autônomo.
Nesta terça-feira (19), a Conmebol divulgou o preço das entradas para a final. A mais barata custa US$ 200 (R$ 1.108 pela cotação atual). A mais cara US$ 650 (R$ 3.603).
Os ingressos para a última final da Champions League, entre os ingleses Chelsea e Manchester City, saíam de 70 a 600 euros (R$ 450 a R$ 3.900 pelos valores atuais).
O salário mínimo brasileiro é R$ 1.100 por mês. No Reino Unido, são 8,91 libras por hora (R$ 68,41). Em uma jornada de 40 horas semanais, representam R$ 10.945 a cada 30 dias.
A reportagem questionou a Conmebol como a entidade chegou a esse valor, mas não obteve resposta até a publicação deste texto. Em comunicado divulgado, a entidade disse que 50% do valor arrecadado será repassado aos clubes e 50% serão para pagar as despesas de organização do evento.
Os torcedores podem registrar a partir desta quarta-feira (20) até o próximo domingo (24) o interesse em comprar os ingressos. As vendas começam no dia 27.
“É inadmissível que um torneio da América do Sul, com países de poder aquisitivo baixo, países de terceiro mundo, onde a fome impera, tenha esse custo para o torcedor. Não podemos esquecer também do reflexo da pandemia, que deixou parte da população em situação financeira ainda pior”, protestou a Mancha Alviverde, principal torcida organizada do Palmeiras, em sua conta no Instagram.
“O ingresso é só mais um problema. Já estava difícil conciliar hospedagem e passagem. Basta olhar os preços”, se queixou o gerente de TI Fernando Alfieri, 34, palmeirense, que ainda planeja ir ao jogo, mas diz já não ter certeza se será possível.
Os voos para Montevidéu, com saída de São Paulo, estão entre R$ 8.000 e R$ 9.000 (ida e volta). Para o Mundial de Clubes nos Emirados Árabes, em fevereiro de 2022, o bilhete aéreo para Dubai, ida e volta, pode ser comprado por R$ 4.000.
A distância de São Paulo para o país árabe é de 12 mil quilômetros. Para Montevidéu é de 1.920.
Com saída do Rio de Janeiro, a passagem para a capital uruguaia está de R$ 9.000 a R$ 15 mil.
“Estamos procurando possibilidades e não há opções de hospedagem em Montevidéu. São mais de R$ 4.000 a diária de hospedagens baratas. Cheguei a ver hotel de três estrelas com diárias a quase R$ 20 mil [o preço agora está em R$ 36 mil]. Está completamente fora do orçamento de todos”, reclama o engenheiro florestal Vinícius Rodrigues de Oliveira, 28, torcedor do Flamengo e morador de Poxoréu, no Mato Grosso.
Os flamenguistas ouvidos pela reportagem ainda têm, como termo de comparação, a final de 2019, que aconteceu com público, em Lima, no Peru. O time brasileiro derrotou o River Plate (ARG) por 2 a 1.
Com todos os custos da viagem, incluído ingresso, Rodrigo gastou R$ 3.000 para ver o Flamengo ser campeão da Libertadores. Para Vinicius, foram quase R$ 4.000.
Naquele ano, o ingresso mais barato foi vendido a US$ 80 (R$ 443 pela cotação atual) e o mais caro, US$ 250 (R$ 1.385).
Por causa das restrições impostas pela Covid-19, o Centenário deverá ter cerca de 20 mil pessoas, mas a Conmebol tem esperança de aumentar esta capacidade. Quando o Flamengo foi campeão, o público no estádio Monumental de Lima foi de 59 mil pagantes.
Também por efeitos da pandemia, apenas 2.500 convidados de Palmeiras e Santos puderam ir ao Maracanã na final de 2020, disputada em janeiro deste ano.
“Paguei R$ 15 mil em um pacote para hotel cinco estrelas, com voo direto do Galeão para Doha. O ingresso custou entre R$ 700 e R$ 800, mas já incluso, e fiquei por uma semana com tudo do bom e do melhor”, diz Reginaldo Alves de Souza, 54, comerciante, que viajou para o Qatar para ver o Flamengo jogar o Mundial de Clubes de 2019.
Agências de turismo oferecem hoje em dia pacotes para a final da Libertadores, com permanência no Uruguai por apenas três dias, por R$ 13 mil.
Aos associados, o Flamengo ainda disponibiliza três opções de pacotes, nenhum deles mais com hospedagem em Montevidéu. O mais barato, para Colônia do Sacramento, pode ser comprado por dez parcelas de R$ 999 ou R$ 9.490,50, se pago à vista. A distância é de 180 quilômetros, pouco mais de duas horas de carro, para a capital uruguaia.
A oferta do clube não contempla os ingressos. No pacote consta: um quarto individual com duas noites no Uruguai, traslado do aeroporto para o hotel e do hotel para o estádio, café da manhã, voo em aeronave fretada e exclusiva, exame RT-PCR para o retorno ao Brasil, além de uma concentração pré-jogo, chamada de “Casa Flamengo”, com três horas de duração, bebidas e comidas inclusas.
Outras possibilidades, mais caras, são para hospedagem em Piriápolis (98 km de Montevidéu) e Punta de Este (11 km), ambas com valores de R$ 13.290 à vista. “A diretoria do Flamengo vai me desculpar, mas precisa entender que a maior parte dos torcedores é composta por trabalhadores. Vi gente vendendo coisas em casa para viajar para Lima”, desabafou um flamenguista, presente em 2019, que preferiu não se identificar.
Os torcedores que insistem em ir ao jogo buscam alternativas. Há os que planejam viajar de ônibus, mesmo que as companhias rodoviárias ainda não estejam vendendo bilhetes São Paulo (ou Rio de Janeiro)-Montevidéu por causa da pandemia.
Outros pensam em ir a Porto Alegre de avião, viajar de carro até Santana do Livramento, próximo à fronteira com o Uruguai, atravessá-la com ônibus local e depois alugar um carro para ir a Montevidéu.
“Dá para ir até a Argentina de ônibus e atravessar de barco para o Uruguai. Estamos estudando muitas possibilidades. De avião é só para quem está em outro patamar”, afirma Rodrigo Gomes.
Ainda há a expectativa de que sejam liberados novos voos para Montevidéu. Segundo o governo uruguaio, foram feitos 150 novos pedidos de reservas de slots (posição que dá o direito de pousar e decolar) no aeroporto de Carrasco, o principal do Uruguai, nas cercanias da capital.
Será realizada também operação especial para o aumento de ônibus e carros que poderão atravessar a fronteira com o Brasil.
Apesar de todas as restrições e dos preços cobrados, o país-sede da final da Libertadores acredita que poderá igualar os números obtidos por Lima em 2019. Para aquela partida, cerca de 40 mil turistas entraram no Peru. Cerca de 25 mil deles eram brasileiros.