EDUARDO MARINI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Ariadina Alves Borges, 23, saiu do Maranhão aos 10 anos de idade, onde era criada pela avó materna, Lindalva, para viver com os pais em São Paulo, onde buscavam melhores condições de vida.
“Eu lembro que, no meu primeiro dia de aula, quando eu cheguei aqui, na quinta série, sofri muito bullying por causa do meu sotaque”, contou Ary.
A autora de três gols do Brasil sobre o Panamá na estreia da seleção na Copa do Mundo feminina deu seus primeiros passos atrás da bola aos seis anos, incentivada pelo tio, Gabriel, que cuidava de um campo em São Luís.
Pouco depois de chegar à capital paulista, seu pai a levou em uma das sedes dos Meninos da Vila, a escolinha do Santos, na Vila Mariana. Era a única menina naquela ocasião, após ele ter convencido o local a aceitá-la.
Ansiosa, precisou ouvir o nome de todos os garotos serem chamados até só restar o seu. “Vem ela aí”, resignou-se o capitão que a escolheu.
“Naquele dia, eu fiquei muito triste. Meu pai estava no alambrado e me disse: ‘eles vão quebrar a cara quando você jogar’. Nós, mulheres, quando começamos a jogar futebol, vemos essas coisas desde muito novas”, contou Ary à Folha de S.Paulo, em entrevista concedida no início de 2020.
Mais de dez anos depois, a jogadora tem confirmado as expectativas otimistas do pai. Depois de treinar por um ano com o time dos Meninos da Vila, ela começou sua carreira nas categorias de base do Centro Olímpico da Prefeitura de São Paulo, ingressando no time sub-15 com apenas 11 anos.
Ary foi uma das cinco selecionadas em uma peneira que contava com cerca de 90 meninas. Na época, sua família havia se mudado do Jaguaré, na zona oeste, para o Capão Redondo, na zona sul, o que fazia ela ter de gastar, em média, uma hora e meia até a sede do clube, próximo ao Parque Ibirapuera.
“Minha mãe não queria, mas meu pai era meio louco e falou: ‘vou ensinar uma vez, e nas outras você vai sozinha’. Eu ficava com medo, mas ia”, recorda.
No Centro Olímpico, ela passou por todas as categorias até se profissionalizar, em 2015. Em 2017, veio a primeira grande chance de sua carreira, quando foi contratada pelo Sport. Atuou por dois anos pelo time de Recife, onde foi bicampeã pernambucana, até despertar o interesse do São Paulo.
Com a camisa tricolor, aos 19 anos de idade, ela assumiu a faixa de capitã e esteve entre os destaques da campanha do título do Brasileiro Série A2, em 2019.
No final do ano, a capitã surpreendeu a diretoria ao não renovar seu contrato com o clube. O vínculo venceria no fim de dezembro. No início de 2020, ela acertou com o Palmeiras, o que causou irritação nos cartolas são-paulinos.
“Foi a melhor decisão que eu poderia ter tomado para a minha carreira. Em qualquer lugar que você trabalha, você sempre procura melhorias, e o Palmeiras me ofereceu isso”, argumenta.
À época, a meio-campista comparou a estrutura oferecida ao time feminino alviverde com a que tinha no tricolor. “Aqui a gente tem uma academia que é nossa, temos liberdade de usar. No campo, a gente treina a hora que quiser. Lá era diferente. A gente dividia o campo com os sócios. Nunca tivemos nutricionista”, critica. “São fatores que pesaram.”
Pelo alviverde, Ary foi campeã da Copa Paulista e vice-campeã brasileira em 2021. Em 2022, conquistou o Campeonato Paulista e marcou um dos gols do título da Copa Libertadores, na vitória de 4 a 1 sobre o Boca Juniors, da Argentina.
No fim de 2022, ela foi contratada pelo Racing Louisville, time americano do Kentucky fundado em 2019 e atual sétimo colocado da National Women’s Soccer League, a liga de futebol feminino dos Estados Unidos.
A meio-campista já marcava presença nas convocações da seleção desde o sub-20. Em 2022, foi campeã da Copa América sob o comando de Pia Sundhage.