O 31 dá seus últimos passos nas proximidades da cerca divisora.
Faltam horas – contadas a segundos, para que nessa transposição ele se vá e deixe apenas registros de sua passagem, em que algumas o próprio tempo se encarregará de apagar, e outras, indeléveis, ficarão ora gravadas em bronze, ora enlameadas em rastros de escória. Terá sido um ano bom ou um ano ruim? É a questão que lhe pesa.
Sua aparência é cansada de quem envelheceu precocemente, o que lhe dá visão desagradável. Sua pele foi carcomida, talvez pelo sol excessivo, ou pelo frio intenso, pelas chuvas torrenciais que lhe abateram, pela seca inclemente que o pegou, cada qual na sua vez nessa lenta comilança de tempo cujo fim se aproxima.
Está cabisbaixo, pensativo, reflexivo, descontente pela incontinência e pela intolerância dos acontecimentos nesse rápido balanço das coisas que realizou e das que lhe escaparam como areia entre dedos. E se culpa. Poderia ter sido um ás como piloto de suas histórias, mas vê, nesse ínterim, acha que talvez não tenha feito o melhor, porque lá no fundo da consciência alguém o cutuca com dedo acusatório a dizer: sim, poderia, mas… e teve tudo para que acontecesse. Agora, meu caro, Inês é morta…
Onde errei? Volta a perguntar. Onde errei? E nessa angústia fica, até que olha do lado e vê que não está só, há três imagens que o cercam e numa forte olhada, as reconhece: são Chrónos, Kairós e Aión, os pais do tempo, nominados pelos antigos gregos.
E Chrónos, vendo-o aflito, lhe diz: liga não, como tempo você designa a continuidade sucessiva onde não existe bem ou mal, nem bom ou mau, o que veio antes passou pelos mesmos perrengues que ora reclama e o que o sucederá, com certeza, passará também, então, para que se questionar?
Está aqui o meu irmão Kairós, para dizer que ‘medida’, ‘proporção’, ‘momento crítico’ ou ‘temporada’ fazem parte de nós, tempo, assim como foi a sua caminhada desde 1º de janeiro… e isso comprova o caçula Aión para quem a intensidade da vida humana é que fará o destino tão intensivo quanto a sua disposição de fazê-lo.
Se o homem que tem força para burilar o universo transformando-o a seu bel prazer, não tem olhos para ver o próximo antes de enxergar o lucro que esse pode lhe trazer, a culpa nunca será do tempo enquanto período contínuo no qual os eventos se sucedem, mas daquele. Se apoquente não, o homem tem ainda muito que aprender…