GABRIEL CARNEIRO
DA UOL-FOLHAPRESS
Não faltou paciência. Convocado para a Copa do Mundo de 1954, ele não jogou. Em 1958 foi até campeão, mas também não entrou em campo. Naquela época não tinha essa história de substituição tática, então o banco de reservas era uma sentença. Até que chegou 1962 e ele decidiu não esperar mais.
“Se for para ser reserva, quero minha passagem e vou voltar para o Brasil”, teria dito Mauro Ramos de Oliveira, zagueiro que não só conquistou sua vaga de titular, como acabou eternizado como capitão do bicampeonato mundial da seleção brasileira na Copa do Chile e agora é personagem da série de reportagens que conta histórias de vida inéditas e curiosas dos cinco capitães campeões mundiais pelo Brasil.
Já a frase vem direto da memória de seu filho Mauro Júnior: “Era assim que ele contava para a gente.”
Existem duas versões sobre a titularidade e a escolha de Mauro como capitão em 1962, mas as duas partem do mesmo ponto: o titular da zaga e capitão era para ser Hilderaldo Luís Bellini, exatamente como havia acontecido quatro anos antes.
Não havia razão para mudar e até Mauro de certa forma aceitava a situação. Só que, durante a preparação, o titular se machucou e Mauro foi o substituto em três jogos. O Brasil venceu todos, e então zagueiro do Santos teve certeza de que teria sua chance na Copa, o que não aconteceu. O técnico Aymoré Moreira anunciou que o titular iria mesmo ser Bellini, o favorito de público e imprensa.
“Ele dizia que chamou o Aymoré para uma conversa pessoal e falou bem assim: ‘olha, eu tenho jogado todos os amistosos bem, sou titular, não joguei em 54 e 58, dessa vez estou preparado e é minha última Copa. Não acho justo o senhor me colocar na reserva’. Personalidade forte, né? Aí ele terminou assim: ‘se for para ficar na reserva, quero minha passagem e vou voltar para o Brasil’. Isso é a cara dele (risos)”, lembra o filho do capitão.
Depois de peitar a comissão técnica e ameaçar abandonar a concentração no Chile se não fosse o titular, Mauro ganhou não só a vaga, como também a braçadeira de capitão, recorda Mauro Júnior: “Falaram para ele naquele tom solene: ‘era justamente isso que esperávamos. Foi um teste para saber se você estava preparado para ser capitão. Parabéns’. E assim foi (risos)”
O zagueiro do Santos atuou os seis jogos do Mundial ao lado de Zózimo. O Brasil tomou cinco gols na campanha, fez 14 e foi campeão. Como chamou a CBF, com seu “capitão que soube esperar”.
A outra versão dá conta que Mauro e Bellini tiveram um papo amistoso antes da Copa e decidiram entre eles que era a vez de Mauro ser titular. Daí, só informaram ao técnico Aymoré Moreira, o que contraria a versão de que Mauro se escalou no grito. Mas essa versão não tem graça.
Por que Mauro tinha o apelido de Martha Rocha
Martha Rocha foi um dos maiores símbolos brasileiros de beleza, eleita a primeira Miss Brasil no ano de 1954. Ídolo das torcidas de São Paulo e Santos, Mauro Ramos de Oliveira ganhou o apelido de Martha Rocha durante a carreira. A razão quem esclarece é Marcelo Fernandes, membro da Assophis (Associação dos Pesquisadores e Historiadores do Santos):
“O que explica é a elegância que ele tinha dentro e fora de campo. O Mengálvio me disse que tinha até vergonha de falar palavrão perto dele, era um gentleman.”
Essa tal elegância é de infância. Os pais de Mauro não queriam que ele fosse jogador de futebol. Imaginavam o filho na diplomacia, na política ou na advocacia. Então, quando ele saía de casa para jogar bola tinha grande preocupação em não sujar o uniforme. Daí veio o estilo clássico em campo, contrastante com a força bruta de Bellini. É outra lenda, mas essa Maurinho não confirma.
“Que meus avós não queriam é fato. Ele sempre ia jogar escondido e tomou muita vara de marmelo por isso. Queriam que ele estudasse, mas o talento levou ele para o São Paulo, com 17 anos, levou a ser campeão sul-americano pela seleção brasileira, aos 19. Mas não tinha como não se sujar nessa época, isso é papo (risos). Agora como profissional era isso mesmo, a camisa branca do São Paulo e do Santos terminava branca.”
A fama de elegante rendeu contratos de publicidade para o zagueiro com uma famosa loja de roupas masculinas chamada Ducal.
Em campo, foram 492 jogos pelo São Paulo e 352 pelo Santos. Sempre de camisa branca.
“Em campo, ele era de uma elegância a toda prova, em uma posição em que os jogadores se notabilizavam pelos chutões e caneladas. Atuava limpo, tirava a bola sem tocar no adversário, era imbatível nas bolas altas e não ficou registro de um único jogo que tenha perdido a cabeça”, assim definiu o jornalista Luís Nassif.