Está na televisão, no celular, no rádio e até mesmo nos canais de YouTube: a guerra da Rússia contra a Ucrânia inunda os meios de comunicação há semanas, sem indícios de que vá acabar tão cedo. Estejam sentadas no sofá ou com os olhos nas telas dos celulares, computadores ou tablets, crianças de todas as idades não passam incólumes às notícias sobre bombas, ataques aéreos e sirenes que alertam os ucranianos para buscarem abrigo. Se os adultos não se entendem, os pequenos acabam expostos a uma realidade que, mesmo de longe, afeta a vida cotidiana.
Tratar esse tipo de temática com as crianças é um desafio tanto para os pais quanto para os professores e equipes escolares. Para o professor de História e coordenador editorial do Sistema Positivo de Ensino, Norton Nicolazzi Junior, não é possível deixar as crianças completamente alheias ao conflito. “Assuntos como as guerras, principalmente as que estão acontecendo no momento em que as crianças têm contato com as informações, não ficarão restritos ao universo adulto. As crianças hoje navegam pela internet e até mesmo os canais de YouTube que as mais novas acessam estão debatendo esse assunto”, afirma. E, como é natural, tendo essas informações, elas, cedo ou tarde, vão questionar sobre a guerra.
O primeiro passo para lidar com esses questionamentos é esperar que eles sejam feitos. De acordo com o professor, o melhor é não levantar o debate voluntariamente, mas aguardar que os pequenos coloquem o assunto em pauta. Quando isso acontecer, a dica é saber ouvir as perguntas, considerações e posicionamentos das crianças sobre a guerra. Afinal, elas são seres humanos completos, com emoções e observações sobre temas que as cercam. “É importante dar abertura para que elas falem. Isso permite trabalhar de maneira clara e direta assuntos que antes eram tratados como tabu, que ficavam restritos ao universo adulto. A consequência era que, muitas vezes, as crianças cresciam com alguma distância dessas informações e só vinham a ter um pouco mais de esclarecimento na fase adulta, dificultando a construção de um posicionamento moral, ético e crítico”, explica o educador.
Saber e compreender que esse tipo de conflito existe faz parte do crescimento das crianças. Em 2014, a ONG Save the Children lançou uma campanha publicitária com um vídeo que chamava a atenção para o conflito em curso na Síria. Mostrando como a guerra impacta o dia a dia de uma criança, o slogan da campanha era, justamente, “só porque não está acontecendo aqui, não significa que não está acontecendo”. Essa conscientização sobre a realidade de outras crianças ao redor do mundo é muito importante para o desenvolvimento de habilidades interpessoais como a empatia.
Filtre as informações
“Há informações que é possível trabalhar com as crianças mais novas e outras que não devem ser expostas a elas. Obviamente não se deve mostrar vídeos e imagens da guerra para crianças muito novas, mas é possível explorar alguns aspectos dos fatos com crianças de um pouco mais idade, que têm mais maturidade para lidar com esse tipo de situação”, detalha Nicolazzi. A sugestão é para que, em casa, os pais e familiares procurem responder apenas às perguntas que a criança traz, tentando não se aprofundar em explicações ou esclarecimentos que podem trazer detalhes que, muitas vezes, nem estão no radar dos pequenos. Não é necessário levar informações além daquelas que eles já têm.
Evite traumas
Outro ponto relevante são os sentimentos das crianças a respeito dos conflitos. “Atividades que explorem as emoções podem auxiliar a criança a se posicionar e perceber que esse é um evento que está acontecendo neste momento, mas não está tão próximo de nós, apesar de nos afetar como sociedade.” Conversas como essa ajudam a tranquilizar os mais novos e evitar que eles se sintam inseguros ou com muito medo, causando até mesmo um trauma mais sério.
Traga uma perspectiva histórica
Trazer para a discussão outros conflitos semelhantes que já aconteceram no passado pode ser uma boa ideia com crianças um pouco mais velhas. No Brasil, especificamente, essa perspectiva histórica pode ser explorada sob a ótica dos imigrantes que chegaram ao país em outros períodos. “Há muitos descendentes de ucranianos e russos por aqui e isso pode ser trabalhado do ponto de vista da história. Por que os antepassados dessas pessoas saíram de sua terra natal e foram buscar novas oportunidades em lugares distantes? Tudo isso pode ser levado para a conversa com resultados positivos”, pontua o especialista.
Ele observa que esse resgate pode dar sustentação a explanações mais amplas e profundas. “É uma oportunidade interessante de trabalhar questões do cotidiano. Códigos de moral e ética da nossa sociedade, valores relacionados aos direitos humanos, ao respeito, à tolerância, à importância da solidariedade em um momento como esse. Afinal, os refugiados são pessoas que têm família, crianças que frequentam escolas, trabalhadores que se veem alheios a seus trabalhos”, pontua.
Fale sobre outras realidades
Por fim, a condução de uma conversa assim deve lançar luz ao conflito objetivo entre Rússia e Ucrânia, mas não se pode esquecer outras guerras que estão acontecendo neste exato momento, mundo afora. “É fundamental que, tanto na escola como em casa, a gente consiga aproveitar a curiosidade e o interesse dos pequenos para revelar que esse não é o único conflito acontecendo no mundo neste mesmo instante. Situações de precariedade nas condições de vida, crianças fora da escola, adultos sem trabalho, isso acontece também em outros lugares”, ressalta o professor.