ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
DA FOLHAPRESS
A autorização para que padres possam abençoar casais homossexuais, concedida nesta semana pelo Vaticano, foi lida por dois ângulos pela direita evangélica.
Se por um lado o aceno do papa Francisco à comunidade LGBTQIA+ seria um acinte à Bíblia, ao menos na leitura dela feita por essa ala conservadora, por outro, também é vista como uma janela de oportunidade: aos católicos insatisfeitos com uma postura mais flexível na Santa Sé, o que não faltam são templos evangélicos prontos para recebê-los.
A Igreja Católica, afinal, tem no pontífice um líder inconteste –por mais que haja divisões internas, em última instância é de Francisco o comando legítimo da maior instituição cristã do mundo. Então, a melhor saída seria encontrar um abrigo cristão menos tolerante a direitos LGBTQIA+.
O pastor Silas Malafaia gravou um vídeo para dizer que “o papa é hipócrita e envergonha os católicos” ao querer “fazer graça para este mundo pervertido”. Ele diz que mesmo Jesus, “a manifestação máxima do amor de Deus na Terra”, no Evangelho de Mateus “fala mais sobre o inferno do que sobre o céu”. Para Malafaia, abençoar “práticas pecaminosas”, como enxergar relacionamentos homossexuais, não é um ato digno de quem se diz cristão.
O pastor André Valadão, da Igreja Batista Lagoinha, respondeu que “esse papa não é crente, não” quando um seguidor o questionou no Instagram o que ele achava sobre Francisco permitir “nas igrejas católicas o casamento do mesmo sexo”. Na verdade, o matrimônio segue vetado pelo Vaticano. A bênção litúrgica é outra coisa.
Philipe Câmara, pastor como seu pai, Samuel Câmara, que lidera em Belém a primeira das Assembleias de Deus do Brasil, também foi às redes sociais ressaltar sua oposição à nova prática católica. “A Bíblia continua desautorizando.”
Uma manchete do Gospel Prime, referência entre evangélicos, ia pela mesma linha: “Contrariando a Bíblia, papa aprova ‘bênçãos’ para união de pessoas do mesmo sexo”.
Não é de hoje a indisposição entre pares cristãos com o pontífice, chamado até de comunista por alguns pastores. Irritou, por exemplo, uma entrevista que deu em março, na qual comenta sobre o avanço das igrejas evangélicas no Brasil. Francisco disse que é preciso tomar cuidado porque “existem movimentos religiosos que não são religiosos, são políticos”.
Não que a voz anti-LGBTQIA+ seja consenso no segmento evangélico. O pastor Hermes Fernandes, que em junho chegou a chamar Malafaia e Valadão de “mensageiros do Satanás” justamente ao sair em defesa da igreja como espaço de acolhimento para a diversidade sexual e de gênero, tem palavras bem mais generosas para descrever o papa.
“Vejo Francisco como um mensageiro do futuro, alguém que já esteve lá e voltou para nos desafiar a avançar em direção a um mundo mais justo, igualitário e solidário.”
Para Fernandes, o documento aprovado pelo papa pode “provocar uma sangria na Igreja Católica”, e quem deve se beneficiar disso são igrejas evangélicas alinhadas ao discurso ultraconservador”.
Nesse ponto, ele e Malafaia concordam: segundo o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, o gesto de Francisco vai aumentar “mais ainda” a transição religiosa que, nas últimas décadas, levou milhões de católicos a se convertem ao evangelicalismo.