ALEX SABINO
TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS)
Andre De Grasse, 26, demorou alguns segundos para perceber. De óculos escuros, apesar de ser noite, ele esperou pela confirmação. Quando ela veio, ficou tão desnorteado que começou a pedir vibração a uma torcida inexistente no Estádio Olímpico de Tóquio. Mas tudo era permitido naquele momento.
O canadense, apontado no passado como possível sucessor de Usain Bolt, tinha seu ouro olímpico. Em 19s62, venceu os 200 m e deixou para trás os americanos Kenneth Bednarek e Noah Lyles, prata e bronze.
Até a manhã desta quarta (4), o momento mais famoso de sua carreira era uma foto com Bolt na Rio-2016. O jamaicano estava a centímetros de vencer a semifinal dos 200 m e olhou com um sorriso no rosto para o adversário. O rival era De Grasse. “Não levei tão a sério os Jogos do Rio quanto deveria”, diria ele depois.
O garoto que começou no atletismo porque sua escola em Ontario não tinha time de basquete havia chegado ao Brasil como alguém que poderia ameaçar o reinado de Bolt. Conquistou três medalhas -nenhuma de ouro. Foi bronze nos 100 m e no revezamento 4×100 m. Ficou com a prata nos 200 m.
Em Tóquio, na prova que coroaria o novo homem mais rápido do mundo, voltou a ficar em terceiro.
Em competições importantes fora do circuito olímpico, ele também ia bem, mas nunca no lugar mais alto do pódio. Foi o primeiro canadense a ganhar medalhas nos 100 m e nos 200 m do Mundial de Atletismo. Aconteceu em Doha, em 2019: bronze (100 m) e prata (200 m).
Por isso, ele mesmo reconheceu que, nesta quarta-feira, era tudo ou nada. “Tenho esperado por esse momento e treinei duro por ele. Pensei no que fiz nos 100 m e fiquei um pouco decepcionado comigo. Poderia ter feito melhor. Fiquei dizendo para mim mesmo: ‘Eu tenho de ir lá e conseguir nos 200 m, tenho de completar o trabalho'”, disse, não cabendo em si de felicidade após a vitória.
Talvez De Grasse tenha assumido no início que o sucesso era garantido e que as vitórias viriam não importava o que fizesse. Se o técnico Tony Sharpe, medalhista olímpico em Los Angeles-1984, o descobriu após ele fazer um teste em que estava com roupa e tênis de jogar basquete, o que poderia dar errado? Sharpe, a maior influência do atleta, havia lhe dito que um dia ele seria o homem mais veloz do mundo.
Claro que o canadense deu azar de viver na mesma era da Bolt, o velocista que jamais perdeu uma final olímpica individual e dominou os 100 m e 200 m em três Jogos. Mas admite que poderia ter feito mais. “Eu gostava de ficar na rua até tarde e comer em redes de fast food. Isso me tornou muito suscetível a lesões e atrapalhou meu desempenho”, admite. Também enfrentou dúvidas devido à altura, 1,76 m. É um dos mais baixos velocistas de elite do planeta. A cada prova que o ouro não chegava tinha de ouvir análises de que era pequeno demais. Suas passadas seriam muito curtas.
Foi sua mulher, a americana Nia Ali, quem o fez esquecer desses comentários. Ela ganhou prata nos 100 m com barreiras na Rio-2016, as Olimpíadas que De Grasse até hoje tem a sensação de que poderia ter sido diferente caso tivesse levado a competição mais a sério. Toda a frustração veio à tona na final dos 200 m em Tóquio -ele fez o melhor tempo da carreira na prova. “Sabia que os americanos iriam me levar a correr no meu nível mais alto. Faz cinco anos que não batia meu recorde pessoal, então é um bônus.”
O canadense assumiu a ponta apenas na reta final e chegou a ficar na terceira posição. Seria mais um bronze para a coleção. “Não desta vez. Meu técnico pediu apenas para eu relaxar e deixar tudo fluir.”
De Grasse sempre disse que a pressão não o atingia, mas seu comportamento indicava o contrário, e os resultados, que faltava algo. E não se contentar com prata e bronze também mostra o nível esperado do desempenho do canadense. Se ele não levou a sério a Rio-2016, como disse, em Tóquio-2020 estava muito mais concentrado. Nem o cansaço que sentiu nos segundos finais o impediu de, enfim, vencer.
O ouro também trará mais visibilidade para o seu maior projeto no momento: a Fundação Andre De Grasse, que funciona no local onde era a pista de terra em que o canadense fez o primeiro teste de velocidade. A ONG oferece aulas de esporte para crianças da região de Ontario.
A medalha garantirá, ainda, um pouco de paz de espírito para o velocista. “Eu não sou Bolt. Ele era um corredor fenomenal e é um grande sujeito. Mas eu tenho minha própria história e meu caminho a seguir.”