Terras indígenas onde o garimpo cercou aldeias, e para as quais não houve a execução de planos de retirada de invasores durante o primeiro ano do governo Lula (PT), foram incluídas numa lista de dez territórios prioritários e um novo plano operacional de desintrusões -de expulsão de não indígenas- será apresentado ao STF (Supremo Tribunal Federal).
É o que afirmou o MPI (Ministério dos Povos Indígenas) em nota enviada em resposta a questionamentos da reportagem sobre a ausência de ações de desintrusão nos territórios. O novo plano está previsto para esta terça-feira (9), prazo final para a entrega do documento, de acordo com decisão do STF.
Na série de reportagens “Cerco às aldeias”, publicada ao longo de 2023, a Folha de S.Paulo mostrou o cerco do garimpo ilegal de ouro a comunidades centrais das Terras Indígenas Kayapó e Munduruku, no Pará, e Sararé, em Mato Grosso.
Os territórios foram os mais invadidos em 2023 para a exploração ilegal de ouro, com cooptação de indígenas, desestruturação das aldeias, intensificação de doenças como malária e contaminação por mercúrio, com reflexo direto na saúde de crianças, jovens e adultos.
Mesmo assim, o governo Lula não promoveu desintrusão de invasores, apesar da existência de uma decisão do STF ordenando a retirada de garimpeiros nos territórios no Pará. Ao longo do ano, foram feitas ações pontuais de fiscalização e destruição da logística de garimpo, insuficientes para barrar a expansão das invasões.
O governo federal se concentrou nas desintrusões de quatro territórios: yanomami, em Roraima, onde os indígenas vivem uma crise humanitária em razão da invasão de mais de 20 mil garimpeiros até 2022, com explosão de casos de desnutrição; Apyterewa, o mais desmatado do país, e Trincheira Bacajá, no Pará; e Alto Rio Guamá, também no Pará.
No caso da terra yanomami, o governo Lula reduziu de forma “drástica” as ações para retirada dos invasores, como apontou o MPF (Ministério Público Federal) em Roraima. Há retorno de garimpeiros em pontos estratégicos e persistência de surtos de malária e doenças associadas à fome, como desnutrição, diarreia e pneumonia.
De janeiro a novembro de 2023, 308 yanomamis morreram na região. Mais da metade dos óbitos foi de crianças de até 4 anos, segundo relatório do COE (Centro de Operação de Emergências) Yanomami, ligado ao Ministério da Saúde. Entre as principais causas das mortes estão pneumonia, diarreia, malária e desnutrição.
Novo plano operacional – Em 9 de novembro, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, determinou que MPI, Ministério da Justiça e Segurança Pública e Ministério da Defesa, sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República, apresentassem em 60 dias um novo plano para desintrusão de sete terras indígenas.
Esse plano precisa ser executado em 12 meses, conforme o ministro do STF. Barroso é relator de uma ação que pede a retirada de invasores nas Terras Indígenas Kayapó, Munduruku, Yanomami, Trincheira Bacajá, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau e Arariboia. Já houve decisões pretéritas ordenando a desintrusão.
Segundo o MPI, o novo plano operacional será entregue no dia 9 em cumprimento à decisão judicial.
“O MPI submete ao Judiciário relatórios trimestrais com resultados das ações, incluindo as dificuldades enfrentadas”, afirmou a pasta. “Recentemente, o STF determinou novas diligências para suprir essas lacunas, que já estão sendo tratadas no âmbito ministerial.”
Um decreto do presidente Lula, de 12 de setembro de 2023, criou o Comitê Interministerial de Desintrusão de Terras Indígenas. O comitê funciona no âmbito do MPI e passou a contar com a participação da Secretaria-Geral da Presidência, que coordena, por exemplo, a desintrusão das terras Apyterewa e Trincheira Bacajá.
“O comitê desenvolveu uma metodologia de critérios para desintrusão e as decisões são tomadas em colegiado pelos representantes de diferentes ministérios”, disse o MPI. “Essas terras em voga estão entre as dez primeiras.” A pasta não informou a ordem de prioridades nem a lista completa dos territórios com ações previstas porque considera os dados como atos preparatórios sigilosos para operações.
Entre os critérios levados em conta para definição de prioridades e urgências, segundo o ministério, estão presença de povos isolados ou de recente contato, insegurança alimentar, emergência de saúde e potencial conflito interno entre indígenas.
A opção pela desintrusão inicial de Apyterewa e Trincheira Bacajá levou em conta também questões logísticas, conforme o MPI.
A Secretaria-Geral da Presidência disse, em nota, que atua em desintrusões por haver necessidade de interlocução com a sociedade civil, uma atribuição da pasta. “No âmbito do governo federal, as ações de desintrusão são planejadas, coordenadas e operacionalizadas pelo comitê interministerial”, afirmou.
VINICIUS SASSINE, MANAUS, AM (FOLHAPRESS)