ISABELLA MENON
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A regra é clara: quem falar de política no grupo da família será excluído por um período. Agora, se a diretriz é respeitada, é outra história. No caso da família do fotógrafo Almir Vargas, 29, a paz no grupo “Vovós Sem Política” não durou nem um dia. Por lá, bastou uma integrante mandar a música “Deus Me Proteja”, de Chico César, para a atitude ser interpretada como provocação por alguns dos participantes.
Desde então, alguns outros familiares preferiram sair do grupo e o clima ficou estranho, apesar de não ter rolado mais nenhuma discussão. A integrante que enviou a música não está mais na conversa e Vargas diz que evita se expressar por ali. “A maioria da minha família apoia o [Jair] Bolsonaro (PL). Só eu e mais umas cinco pessoas não. É muito ruim ler certas coisas no grupo e ficar calado.”
Para Pablo Castanho, professor do Ipusp (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo), brigas de WhatsApp, geralmente, têm repetido o que ele chama de “lógica de slogan e campanha”, que apresenta as mesmas afirmações com exaustão.
“A linguagem de slogan é uma estratégia de briga política que não favorece o pensamento nem as relações humanas”, diz Castanho. Ele analisa que se as pessoas pensassem e refletissem fora desta lógica, a chance de sentir conectado mesmo em meio a diferenças seria maior.
Apesar de considerar que a política é parte da vida e é importante falar e pensar sobre ela, grupos de WhatsApp são ambientes inóspitos para pensar essas questões. Castanho considera que, nas redes sociais, é mais comum que o debate seja substituído por uma espécie de pregação.
“Temos que entender que não vamos chamar ninguém para a reflexão em um grupo de WhatsApp ou com um post. Não há espaço para isso, as mensagens são curtas, é tudo muito rápido e não há uma derivação de reflexões e associações”, diz ele.
O professor ainda levanta outra caraterística da sociedade brasileira, que apesar de ser reconhecida pela cordialidade, costuma ter dificuldade de manter o respeito no conflito da relação. Ele defende que as relações podem ser mantidas mesmo diante das diferenças, mas admite que é difícil mudar a forma de agir da maioria das pessoas na iminência da votação do segundo turno.
Porém, acredita que se essas reflexões fossem aplicadas, poderiam ajudar a tomada de decisões, como, “vou entrar nessa briga política que vai favorecer meu candidato só porque o jogo é esse?”
Esse tipo de reflexão faltou no grupo do WhatsApp do condomínio em que mora o professor de francês, Rodrigo Torres, 30. Ele, que vive no mesmo local há 12 anos, nesta semana presenciou a primeira briga entre condôminos na conversa virtual.
Isso porque uma moradora mandou um link de uma reportagem que dizia que o ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende desindexar a aposentadoria da inflação. O plano foi revelado pela Folha de S.Paulo e gerou crise na pasta.
Logo após a postagem, apoiadores do presidente que vivem no condomínio de Torres afirmaram que se tratava de fake news e uma discussão tomou forma. No dia seguinte à reportagem, o ministro disse que o governo Bolsonaro não vai mudar “durante o jogo” a regra de correção do salário mínimo e de aposentadorias.
Torres conta que na briga dos vizinhos “até ideologia de gênero apareceu”. Isso porque, logo após vizinhos contestarem a mulher que encaminhou a reportagem, ela desejou um “bom dia a todes”, usando uma linguagem neutra, e a discussão se intensificou.
“Sempre tem os pacificadores que mandam ‘não é legal continuar nessa briga'”, brinca o professor, que afirma que prefere se abster nessas discussões, assim como faz com sua família. “Sou eleitor do Lula (PT) e minha família é toda bolsonarista. Então, prefiro manter a distância.”
Para ele, mesmo depois das eleições do próximo domingo (30), o clima de polarização não deve arrefecer. “É o que está acontecendo no país todo. A polarização que está tomando conta de tudo”, lamenta ele.
Engenheiro civil e fundador do grupo Aliança Brasil, Giovani Falcone, 44, é eleitor de Bolsonaro e conta que já teve alguns problemas por política. Em uma dessas ocasiões, ele encaminhou um post a favor do presidente em um grupo de WhatsApp de mães e foi avisado de que ali não era espaço para discutir sobre eleições. Preferiu sair, mas logo foi reinserido.
Na família, o irmão dele vota em Lula e pede para ele não mandar esse tipo de conteúdo. “Eu mando emoji de risada, não fico chateado não. Eu sei que estou apoiando uma coisa que é melhor para todo mundo, não só para uma pessoa”, diz ele, que garante que só manda conteúdos com referência.
Falcone afirma que quando o contrário acontece, ou seja, eleitores de Lula postam em grupos conteúdos a favor do candidato do PT ou contra Bolsonaro, ele tenta conversar. “Muitos querem ficar debatendo, tento explicar, mas depois de duas ou três vezes, já me canso e deixo falando sozinho. Não dá. Tentar explicar algo para um petista é difícil.”
Apesar do clima de desrespeito, há alguns grupos que dão certo. A família da professora de inglês Camila Philipiak, 20, é dividida entre bolsonaristas e petistas e, desde o início das campanhas, começou a se alfinetar.
As mensagens que antes se resumiam a memes de “bom dia”, fotos e conversas paralelas passaram a se concentrar em críticas aos candidatos. A situação piorou quando as alfinetadas ultrapassaram o espectro político e foram para o pessoal, incitando mais brigas por motivos aleatórios.
Assim, foi criado um outro grupo para manter a cordialidade. “Não pode política, nem religião, nem discussão”, avisou uma das familiares de Camila. “Aqui, somente alegria.”
O grupo tem funcionado para que a família mantenha contato com aqueles que vivem longe. Até agora, os participantes respeitam as regras. Mas a professora de inglês suspeita que o grupo só é bem-sucedido porque aqueles que costumam iniciar as discussões não foram adicionados nele.
“Agora, quem quer falar sobre política manda em um grupo e quem quer mandar a foto de ‘bom dia’ manda nesse novo”, diz ela.
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