*Ricardo Viveiros
Queiram aceitar ou não, em especial os que são preconceituosos e discriminatórios, o mundo vem avançando no combate às questões que insistem em desrespeitar certos grupos sociais por suas origens, realidades ou opções. Na busca de justiça, tais movimentos pela inclusão têm sido atacados em suas corajosas posições.
Dentre a terminologia praticada, a expressão “politicamente correto” é alvo de ridicularização. Há quem ache “chato” o respeito às mulheres, pretos, indígenas, LGBTQUIAP+, idosos, obesos, religiosos, camponeses, portadores de deficiências físicas ou mentais, moradores de comunidades, refugiados, estrangeiros.
Nesse contexto, também há questionamento sobre a frase “lugar de fala”. Quem teria?
Para entender o que significa e como empregar sem polêmica essa expressão, a filosofia platoniana oferece: doxa, episteme e sofia. Por fim, além de questionar quem pode ou não debater sobre os diferentes temas, importante saber que há um lugar de onde se fala e um lugar para onde se fala.
É comum dizer que branco não pode falar sobre preto porque não tem lugar de fala. Um rico não pode falar sobre pobreza porque, igualmente, não tem esse direito. Alguém hétero não pode falar sobre gay porque não pertence ao grupo. E por aí vai a polêmica que, às vezes, exacerba ao mesclar ideologia e/ou religião.
O antropólogo Darcy Ribeiro não poderia falar sobre problemas dos indígenas apenas porque não era um deles? Neste ponto entra a filosofia, nada vã ao contrário do que disse o poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare. Uma coisa é comentar baseado em opiniões, crendices, boatos e, assim, não ter lugar de fala. Outra, entretanto, é falar com real conhecimento científico mesmo sem pertencer ao grupo do tema abordado. Por fim, terá também lugar de fala aquele que o fizer fundamentado em concreta experiência vivida.
A história da humanidade mostra que lutar, com conhecimento e responsabilidade, por direitos inalienáveis determina princípios importantes: justiça, generosidade, altruísmo, solidariedade, respeito. O lugar de fala será sempre legítimo, desde que não impeça a quem tenha real capacidade acadêmica ou prática de atuar pelo próximo, movido pelo amor e pela sincera preocupação com o bem-estar coletivo. Vale lembrar que o Brasil está entre os 10 países mais desiguais do mundo, pelo índice de Gini (Banco Mundial), 2020. Defender direitos humanos exige muitas mentes e vozes.
Todos aqueles que preservam a qualidade do meio ambiente – terra, água, ar, flora e fauna – o fazem com legítimo lugar de fala. Somos parte integrante da natureza, vivemos neste mundo e precisamos preservá-lo. Ao olharmos ao redor, vamos perceber que todos os demais semelhantes na luta pela sobrevivência – não importa cor, gênero, religião, deficiências, origens, níveis – querem e merecem tratamento igual, fraterno e digno para viver em uma sociedade livre e democrática. Saberes ancestrais alertam: “Quando nossa educação não reconhece nossa cultura e não age com base nela, não estamos sendo educados, estamos sendo colonizados”.
Liberdade de expressão exige responsabilidade de expressão. Este é o princípio maior do lugar de fala politicamente correto. Aquele que busca equilibrar razão e emoção com um único objetivo, o necessário respeito à cada pessoa como deve ser praticado pelos seres de boa vontade.
*Ricardo Viveiros, jornalista, professor e escritor, é doutor em Educação, Arte e História da Cultura; autor, entre outros, de “A Vila que Descobriu o Brasil” (Geração), “Justiça Seja Feita” (Sesi-SP) e “Memórias de um Tempo Obscuro” (Contexto).