como a Justiça costuma tomar determinadas decisões, referentes às diferentes demandas.
“A produção acadêmica sobre saúde suplementar é baixa, ainda mais considerando o tamanho do setor no Brasil e a vastidão do volume de pesquisa voltada para judicialização conta o Sistema Único de Saúde (SUS). Esse estudo, por meio do uso de big data e inteligência artificial, “Paciente obrigada a arcar com custos de cirurgia será indenizada pelo plano de saúde”, “Justiça obriga plano de saúde a pagar armazenamento de óvulo de mulher”, “STJ mantém aumento de planos de saúde por faixa etária”. O que essas manchetes mais possuem em comum são as divergências entre empresas de planos de saúde e seus beneficiários, que frequentemente acarretam em demandas judiciais. Este tipo de conflito jurídico tem se tornado cada vez mais comum no Brasil, principalmente diante de algumas mudanças na regulamentação, realizadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). No entanto, pesquisadores da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP) podem ter uma forte contribuição neste debate, ao utilizarem de ferramentas inovadoras para auxiliar na compreensão desse tipo de conflito.
O projeto de pesquisa científica aplicada intitulado “A judicialização da saúde suplementar: uma análise empírica por meio de big data e inteligência artificial”, utilizará essas duas ferramentas tecnológicas para pesquisar as decisões dos Tribunais de Justiça, nos últimos quatro anos, dos estados Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, referentes às demandas judiciais relacionadas a este setor. No total, serão coletadas e pesquisadas mais de 100 mil decisões judiciais que, por meio da criação de uma base de dados, poderão auxiliar em uma maior compreensão acerca de como são tomadas as decisões na Justiça, relacionadas as seguradoras de saúde. Vale ressaltar, que esses três estados juntos representam 55% do mercado de saúde suplementar no Brasil.
A pesquisa já lançou o relatório referente ao Estado de São Paulo que pode ser acessado neste link. O pesquisador Daniel Wang, quem lidera o estudo, comenta quais são os conflitos judiciais mais comuns relacionados aos planos de saúde no estado paulista: “os dados indicam que a negativa de cobertura assistencial é a principal causa de litígio envolvendo operadoras de planos de saúde, respondendo por mais da metade do total de decisões nas duas instâncias. Disputas relacionadas a reajuste de mensalidade e manutenção de contratos aparecem em proporção significativamente menor, embora respondam por grande número de decisões”.
Impacto – De acordo com Daniel essa iniciativa é importante porque aproximadamente 50 milhões de pessoas dependem do sistema suplementar de saúde no Brasil, e o número de conflitos judiciais estão cada vez mais evidentes. Então, torna-se necessário entender busca superar essas dificuldades e apresentar um panorama amplo e detalhado da judicialização no sistema suplementar, algo ainda inexistente. A pesquisa vem também para complementar a literatura sobre a relação entre judiciário e agências reguladoras e, em um panorama internacional, também busca contribuir para gerar conhecimentos neste tema, principalmente em países onde há demandas semelhantes contra seguradoras de saúde, a exemplo de Holanda e Suíça”, disse Daniel.
Ainda segundo o pesquisador, reunir essas informações e coloca-las em evidência pode prevenir litígios judiciais, ou seja, divergência entre planos de saúde e beneficiários, que ocasionam em processos jurídicos. Ele ressalta que muitas vezes essas divergências ocorrem devido à falta de conhecimento por parte da judicialização desta área, que leva as seguintes perguntas: quais são os temas mais debatidos nesses processos judiciais? Como a Justiça entende as demandas dos beneficiários? E como essas decisões judiciais impactam na regulação dos serviços de saúde suplementar?
As pesquisas existentes sobre esses assuntos possuem diversas limitações, que em grande parte decorrem da dificuldade de reunir dados sobre a judicialização no setor. “De um lado há a relevância da saúde suplementar para a população, do outro há uma grande judicialização contra ela”, explica Daniel.
Base de dados – Através de uma profunda análise quantitativa, os dados podem auxiliar na compreensão dos direitos e deveres por conta não só dos planos de saúde, mas também dos beneficiários. Porém, a novidade é que para chegar a este objetivo são utilizadas duas ferramentas com forte potencial inovador: a inteligência artificial, para ajudar a detectar as decisões judiciais referentes a saúde suplementar e categorizá-las, e o Big Data, que permite a análise de grandes bases de dados.
À frente deste projeto, o pesquisador Daniel explica como essa pesquisa consegue adentrar em núcleos detalhadamente, de forma nunca foi feita em uma pesquisa voltada para este tema. “Através da IA e do Big Data, nós conseguimos criar um robô capaz de pesquisar e coletar corretamente as decisões judiciais que nos interessam para este estudo. Além de coletá-las, esse robô também consegue fazer determinadas classificações acerca desses pareceres. Isso porque além de englobar todas as decisões em primeira ou segunda instância, ele também irá agrupá-la por semelhanças, o que nos dará um conhecimento maior sobre diferentes categorias de decisões”.
As decisões dos tribunais são categorizadas em “negativa de cobertura”, referente ao declínio dos planos de saúde sobre um determinado procedimento, ou em uma determinada clínica. A segunda categoria seria a de “reajuste”, em que, por exemplo, não há acordo por aumento de mensalidade, seja devido a progressão na idade ou por aumento anual. E, por fim, a categoria de “manutenção”, que engloba casos de inadimplência, perda de contrato com o plano de saúde, que pode ser ocasionado devido a saída de um determinando emprego, entre outras questões. Segundo Daniel, ainda existe um quarto eixo, do qual envolve um volume grande de conflitos judiciais, fora dessas categorias citadas, que foram intitulados como “outros”. No entanto, os três eixos anteriores podem configurar bem os tipos de conflito que costumam haver entre beneficiários e os planos de saúde.
Inovação – Com previsão de conclusão total para o segundo semestre de 2024, o projeto lança mão de metodologias atualmente consideradas de ponta, tais como rotinas de aprendizado de máquina (machine learning), Big Data e teoria das redes. Ao longo do estudo, para além da contribuição com o conhecimento sobre esse tipo de judicialização voltada para o mercado de seguradoras de saúde, também espera-se contribuir para o desenvolvimento de metodologia de pesquisa, por meio da criação de ativos tecnológicos e desenvolvimento de técnicas de pesquisa quantitativa. Isso pode aproximar o setor de pesquisa a utilizar dessas técnicas para responder inúmeras outras questões que afligem a sociedade, não só nas Escolas da FGV, mas em diversas outras instituições.