LAURA MATTOS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Não adianta fazer com que todas as escolas brasileiras sejam de tempo integral se a maioria dos alunos precisa trabalhar; a evasão só vai crescer”, opina Jade Beatriz, 21, presidente da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas).
Preta, filha de empregada doméstica e de vendedor de frutas, ela afirma que a reforma do ensino médio “pode parecer ideal, com matérias novas, criativas e aulas em laboratório, mas não funciona em um país com tanta escola sem banheiro, merenda e profess ores”.
Criada na periferia de Fortaleza, Jade participou de reuniões do grupo de educação da equipe de transição e foi à posse de Camilo Santana (PT), que governou o estado por oito anos (2014-2022), como ministro da Educação de Lula.
Ela diz reconhecer avanços da educação cearense, “ainda que existam muitos problemas de estrutura nas escolas”. Ficou feliz com a escolha do ex-governador para o MEC, mas afirma que vai continuar cumprindo o seu “papel, que é o de levar as demandas dos estudantes e cobrar”.
“Apesar de esse ser um governo progressista, que está aberto ao diálogo, se for necessário, o movimento estudantil vai fazer mobilização, vai para as ruas.”
Jade conta que a Ubes já se reuniu com Izolda Cela, escolhida como secretária-executiva, “a número 2” do MEC. Eleita vice-governadora do Ceará, Izolda assumiu o governo no ano passado, quando Camilo se candidatou ao Senado. Educadora, já havia sido secretária de Educação do Ceará, depois de ter exercido esse mesmo cargo em Sobral, que está entre os municípios com os melhores resultados na educação do país.
“Entre os temas da reunião com a Izolda, falamos da alta evasão escolar e do Enem, que no ano passado teve o menor número de inscritos de toda a história”, diz.
A proposta da Ubes para ajudar a combater a evasão é que os estudantes de ensino médio, especialmente aqueles de escolas de tempo integral, recebam bolsa de estudo, além do passe livre para o transporte. A bolsa de estudos para estudantes do ensino médio foi debatida pela equipe de transição de Lula.
Jade vivenciou o dilema entre estudar e ter que trabalhar. Em 2022, ela se formou em logística na Escola Estadual de Ensino Profissional Dona Creusa do Carmo Rocha. “Tive uma boa formação, mas foi difícil não poder trabalhar durante o ensino médio”, diz. “Seria necessário um auxílio durante todo o curso. Como não há, muitos têm de abandonar a escola para trabalhar.”
O Ceará é o estado com o maior índice de matriculados em tempo integral do país no ensino fundamental, com 33,2%, e com o terceiro maior no ensino médio, com 38% -como base de comparação, São Paulo tem, respectivamente, 12,2% e 18,8%. O incentivo a esse modelo de carga horário ampliada foi uma das marcas do governo Camilo Santana, que pretende expandi-lo nacionalmente agora à frente do MEC.
Para Jade, o ensino médio integral que ela cursou teve qualidade “por associar a grade curricular comum ao ensino profissionalizante e a uma formação cidadã”.
Seu engajamento político teve início na pandemia. Foi em 2020 que entrou na Ubes e se filiou ao PC do B, partido pelo qual concorreu ao cargo de vereadora. Com 310 votos, não foi eleita. Melhor resultado ela conseguiu na eleição para a presidência da Ubes, no congresso de 2022, em que foi escolhida por mais de 80% dos cerca de 6.000 estudantes presentes ao estádio Mané Garrincha, em Brasília.
Quem assistiu emocionada à vitória de Jade foi sua mãe, que tem 40 anos e resolveu acompanhá-la ao evento. “Ela estava preocupada com o movimento estudantil”, conta. “Ficamos alojadas em uma barraca nos quatro dias de congresso, minha mãe foi comigo a debates”, conta. “Achava que seria só bagunça, mas viu a gente falando um monte de coisa séria e difícil, me disse: ‘Ah, é isso? Então tudo bem'”, lembra, rindo.
Quando bebê, Jade ia com a mãe para o trabalho e ficava no quartinho de empregada. Aos 4, foi matriculada em uma escola municipal, onde ficou do infantil ao 5º ano. Do 6º ao 9º, estudou em uma escola particular de bairro, que os pais pagaram com sacrifício, preocupados com a falta de qualidade da escola estadual e com a violência em seu entorno. “Eles também queriam que eu tivesse um aprendizado melhor para depois conseguir vaga no ensino médio técnico do estado, que tem prova de seleção”, diz. “A escola técnica, para a gente das regiões periféricas, é uma oportunidade.”
Jade agora mora em São Paulo, em uma casa que divide com outros diretores da Ubes, na Vila Mariana (zona sul). Tem ajuda de custo da entidade e faz cursinho pré-vestibular para tentar uma vaga em direito na USP.
Até fevereiro, ela está no Rio para preparar o seminário da Ubes, em que será discutido um documento com demandas a serem encaminhadas ao MEC, entre elas o reajuste do valor da merenda escolar e a universalização do acesso à internet nas escolas. A entidade também deve reforçar a oposição ao novo ensino médio.
“Essa reforma foi feita por pessoas que não sabem o que é uma escola pública”, diz Jade. “Claro que a escola não é atrativa e é preciso fazer uma reforma, mas não essa.” O novo ensino médio, afirma, não tem conexão com a realidade das escolas públicas do país.
“Como você vai ter aula de robótica se não há nem banheiro na escola?”