*Daniel Medeiros
Há -via: a mudança do “Eu era” para o “Existe um caminho”
(Jorge Forbes)
O aumento da violência na Política e na Sociedade tem uma relação clara com a emergência feminina no mundo. Por isso a volta dos discursos sobre hierarquia e disciplina como a “salvação” da família e da escola que ouvimos por todos os lados. É a resposta do medo em face da disseminação das práticas coletivas e horizontais típicas das ações femininas, nas vilas, nos bairros, nas comunidades, no trabalho, na escola, na Igreja. É a resposta do medo pela apropriação de uma voz feminina sem um caráter de submissão e sem a necessidade de uma autorização. É a resposta do medo em face da liberdade de as mulheres usarem seus corpos como lhes aprouver, sem preocupação sobre como serão chamadas. É a resposta do medo em face de as mulheres não admitirem a hipótese ridícula de morrer pela Pátria, pela Tradição e pela Propriedade – coisas que não passam de palavras de ordem -, mas sim, o de morrerem pelo Amor aos filhos ou pelo Amor ao direito de não terem filhos – coisas que carecem das palavras, apenas dos gestos.
As mulheres, embora maioria da população, sempre foram minoria, por não controlarem os mecanismos de decisão e de poder. Isso ainda faz delas vítimas em uma sociedade da qual são presença maior. Vítimas reais e vítimas simbólicas, representadas como “sexo frágil”, como “mãe extremada”, como “dona de casa aplicada”, como “trabalhadora gentil”, como “colaboradora do marido”. Mas esse cenário vem se alterando, lenta e dolorosamente, e essa mudança provoca medo e insegurança naqueles que já haviam naturalizado sua posição de mando e poder. Mulheres fortes, capazes, irredutíveis em seu senso de pertencimento e decisão sobre o que é melhor ou não para elas e, principalmente, em sua imensa capacidade de não tornar esse empoderamento uma versão feminina do poder masculino. Por isso, o feminismo não é o contrário do machismo, como sugerem, apelando a um gramaticalismo paupérrimo, muitos homens apavorados. O feminismo não quer tirar direitos dos homens, mas garantir direitos para as mulheres; não quer submeter homens aos seus caprichos, mas compartilhar responsabilidades em igualdade de condições; não quer eliminar o romantismo nem os jogos amorosos, quer implementá-los em um ambiente no qual o prazer feminino não seja o resto em uma operação cuja parte substancial da divisão cabe aos interesses eróticos masculinos. E tudo isso provoca medo. Muito medo. Como sobreviver a uma parceira que não aceita mais os comandos seculares da condição masculina? Que não se objetifica aos seus caprichos nem baixa os olhos e encolhe o corpo diante de sua ira – que não passa da expressão de seu medo em perder sua identidade?
Somos um país de homens apavorados e, por isso, muito perigosos. Os mais velhos repercutem esse medo de maneira mais explícita, ecoando, em suas redes sociais, em seus grupos de mensagens coletivas, seus memes agressivos, violentos, resposta caricata aos desafios impostos ao seu papel de feitor moderno, sempre com a última palavra, o último gesto, o único gozo.
O futuro, para esses homens, é o passado. Por isso, a Política virou nostalgia. O futuro, para quem se interessa pelo Futuro, é o que as mulheres vêm dizendo, há tempos, sem serem ouvidas. Mas agora o pano se rasgou, há frestas largas nas paredes que as fechavam em sua condição de silêncio. E suas vozes ecoam, seus exemplos são vistos, sua luta ganha forma e corpo, maior do que a força que sempre as impediu.
Sim, há um futuro com o qual possamos sonhar e pelo qual lutar. Do desamparo, que é a condição na qual o excesso de temor e a falta de esperança sujeita, surge a oportunidade de um projeto que não exige carregar o peso da dor vivida, mas a promessa de encontros festivos, entre mulheres e homens iguais.
*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso Positivo.
@profdanielmedeiros