*Leide Takahashi
Um dos primeiros setores econômicos a sentir os efeitos da pandemia e um dos últimos a retomar suas atividades, o turismo vive certo otimismo para 2022. Mas depois de tudo que a humanidade viveu nos últimos dois anos é difícil imaginar um simples retorno aos hábitos do passado. Além de preocupações sanitárias que persistem, uma consciência cada vez maior em relação à sustentabilidade do planeta já impulsiona viagens e experiências mais responsáveis e autênticas, que também possam gerar impactos positivos para as pessoas e o meio ambiente.
Um exemplo dessa nova consciência é o compromisso assinado por mais de 300 entidades do setor do turismo para a redução de 50% das emissões de gases de efeito estufa até 2030. O anúncio ocorreu durante a 26ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP26), realizada recentemente em Glasgow, na Escócia.
Mesmo antes da pandemia e da maior percepção sobre a emergência climática, o turismo relacionado às belezas naturais vinha em franca expansão. A Organização Mundial do Turismo (OMT) estimava em 2015 uma média de crescimento para os embarques internacionais de 3,3% ao ano até 2030, com maior aceleração na África, Ásia/Pacífico e América Latina, especialmente em razão dos destinos com patrimônios naturais mundiais. Até então, a tendência observada em mercados emissores mais consolidados, como Europa e América do Norte, resultava de aventuras de baixo risco e de vivências autênticas e transformadoras, o que frequentemente incluía visitas a áreas naturais e de observação da vida selvagem, por exemplo.
No entanto, a crise trazida pela pandemia acertou em cheio o setor e, segundo Christoph Wolff, diretor de mobilidade do Fórum Econômico Mundial, a Europa e outros países desenvolvidos podem acelerar a reabertura segura do setor turístico para conter e gerenciar a pandemia de modo mais eficiente que os países menos desenvolvidos. Com menor número de leitos disponíveis e sistemas de saúde menos eficientes, muitos países enfrentarão dificuldades para reabrir a visitação com segurança.
Neste cenário complexo, surge uma grande oportunidade para o Brasil, que possui atrativos naturais de grande interesse e, mesmo com todas as dificuldades e perdas da pandemia, tem demonstrado boa capacidade de vacinar sua população e reduzir a letalidade do novo coronavírus. Isso pode facilitar a retomada do setor de turismo, ampliando o mercado para viagens nacionais e internacionais. No entanto, para aproveitar uma conjuntura favorável ao turismo de natureza, o país precisa demonstrar mais compromisso com a proteção da biodiversidade.
Vale ressaltar que a diversidade biológica é um grande atrativo turístico em inúmeros países, em especial naqueles que possuem espécies-bandeira que são verdadeiras celebridades, como os pandas-gigantes da China, as girafas da África, o mico-leão-dourado do Brasil, entre outros. Há anos, existem agências especializadas em organizar viagens aos patrimônios naturais da humanidade, assim como para os observadores de aves, grupo de turistas que cresce a cada ano.
O capital natural bem manejado e em equilíbrio é a base para promover e sustentar o fornecimento de vários benefícios e serviços essenciais, como a água, o ar puro, peixes, algas, melhorias microclimáticas, entre outros serviços ecossistêmicos. Portanto, conservar a biodiversidade é um atrativo aos turistas, além de gerar benefícios ao funcionamento do agronegócio, da mineração, da geração de energia e de todas as outras atividades econômicas que fazem uso de recursos naturais.
Com o turismo responsável em áreas naturais, a própria biodiversidade é beneficiada, já que as visitas e experiências dos turistas contribuem para a sensibilização e engajamento das pessoas à conservação das espécies ameaçadas, por exemplo.
O Brasil pode perfeitamente unir a disponibilidade de recursos naturais à geração de emprego e renda por meio da multiplicação de negócios de impacto socioambiental positivo. O turismo responsável de base comunitária, por exemplo, tem grande potencial de gerar negócios sociais que valorizem também os povos tradicionais que estão integrados às áreas protegidas.
Naturalmente, muito precisa ser feito para que esse desenvolvimento ocorra de forma realmente sustentável. Uma visão estratégica do poder público será necessária para transformar esse potencial em realidade, por meio de investimentos em desenvolvimento e qualificação de pessoas, infraestrutura e, sobretudo, na proteção efetiva de nossos biomas. Acreditamos que a natureza deve ser o nosso destino, não somente como sinônimo de um lugar ou paradeiro, mas principalmente como caminho para o nosso futuro mais sustentável.
* Leide Takahashi é gerente de Conservação da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza