DA FOLHAPRESS
Durante sua recente passagem por Budapeste, na Hungria, o papa Francisco voltou a falar de um dos temas mais polêmicos de sua trajetória antes de assumir o comando da Igreja Católica em 2013: suas ações durante a ditadura militar na Argentina, o seu país de origem.
Em uma conversa com 32 jesuítas no último dia 29, Francisco afirmou que, décadas após o fim do regime militar, em 2010, o governo da então presidente Cristina Kirchner -hoje vice de Alberto Fernández–tentou condená-lo por suposta omissão ou cumplicidade com os militares.
“Alguns no governo queriam ‘cortar a minha cabeça’, colocando em dúvida todo o meu modo de atuar durante a ditadura”, disse ele segundo uma transcrição da conversa disponibilizada nesta terça (9) pela La Civiltá Cattolica, revista dos jesuítas italianos. Para ser publicado, o material foi autorizado pelo Vaticano.
Jorge Bergoglio (o nome de nascimento do papa) entrou no assunto quando foi questionado por um dos presentes da conversa sobre sua participação no caso dos padres Franz Jalics e Orlando Yorio, que foram presos pela ditadura acusados de colaborar com o comunismo.
O caso gerou grande comoção na Argentina. Em 2010, Bergoglio, o então cardeal e arcebispo de Buenos Aires, foi intimado a depor à Justiça durante investigações sobre a Esma, um ex-complexo militar onde ocorriam torturas que hoje abriga uma série de museus sobre o tema abertos ao público.
Uma série de reportagens havia acusado o religioso de ter entregue aos militares Jalics -de origem húngara- e Yorio, algo que ele negou e que nunca foi comprovado, mesmo anos depois, quando a igreja realizou e investigações internas sobre o período ditatorial.
Aos jesuítas em Budapeste o hoje papa disse que seu depoimento aos juízes durou pouco mais de 4h e que pouco ou nada foi perguntado sobre o caso dos padres. Ele também relatou que, anos depois, um dos magistrados presentes o encontrou no Vaticano e disse que “havia sido instruído pelo governo” da época a condená-lo criminalmente.
Quando Bergoglio foi escolhido papa em 2013, substituindo o papa Bento 16, que renunciou, recebeu duras críticas em seu país de origem. Muitos afirmavam que ele havia sido omisso com o regime militar, cujos membros a Justiça perseguiu no período de abertura democrática.
“Quando Jalics e Yorio foram levados pelos militares, a situação na Argentina estava confusa e não estava nada claro o que deveria ser feito”, disse o papa Francisco na Hungria. “Fiz o que tive vontade de fazer para defendê-los. Foi uma história muito dolorosa.”
A Igreja Católica na Argentina publicou no último mês dois volumes de quase mil páginas com uma revisão sobre a participação da instituição na ditadura, e um terceiro volume deve ser publicado em breve.
No material já disponível, um dos capítulos relata o caso de Jalics e Yorio, detidos e torturados em 1976 por militares que os levaram de um bairro pobre de Buenos Aires onde cumpriam trabalho pastoral.
O capítulo compila cartas de Jorge Bergoglio na época a autoridades militares pedindo a libertação dos padres. Em uma recente entrevista ao jornal El País, o relator da investigação, Carlos Maria Gallí, disse que a igreja, de fato, deveria ter feito mais para evitar “tanta matança”, mas negou cumplicidade.
Ele também afirmou na ocasião que os ataques contra o hoje papa Francisco foram “um pouco armados porque calhavam ao governo da vez” -de Cristina Kirchner. “Quando o consideraram opositor, começaram a atacá-lo. Um dos elementos foi retomar a história dos jesuítas detidos em 1976 e dizer que Bergoglio os havia deixado vulneráveis. Bergoglio ajudou a salvar ao menos 30 pessoas.”