“Filtro solar. Nunca deixem de usar filtro solar.” Era assim que começava a música em que Pedro Bial enfileirava conselhos para viver bem. “Os benefícios a longo prazo do uso de filtro solar estão provados e comprovados pela ciência”, dizia a letra. E é verdade. Além de evitar o envelhecimento da pele, o protetor é recomendado por dermatologistas na prevenção do câncer de pele – mas nem todos os tipos da doença podem ser prevenidos dessa forma.
É o caso do melanoma acral, um subtipo de câncer que ocorre principalmente nas palmas das mãos e na sola dos pés, regiões que costumam ficar menos expostas à luz solar. Foi esse tipo da doença que matou Bob Marley aos 36 anos. Mesmo que tivesse seguido o conselho de Pedro Bial, o cantor não teria salvado-se.
Ao ver uma mancha preta sob a unha do dedão do pé, o jamaicano pensou que era uma lesão causada pelo futebol, não por um tipo agressivo de câncer muito mais comum em afrodescendentes. Como há pouca atenção voltada para esse tipo da doença, a principal ferramenta para que ela não se espalhe é prejudicada. “O diagnóstico precoce é o grande segredo, como em qualquer tipo de câncer”, afirma Guilherme Gadens, médico membro da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia).
Deusmira Rodrigues, 64, não imaginou que a pinta que tinha no calcanhar pudesse ser um melanoma. “Ela estava ali há anos e nunca me incomodou”. Até que a mancha começou a mudar de formato, crescer e acumular sangue. Rodrigues, então, foi ao médico. Na primeira consulta, o especialista afirmou se tratar de um tumor benigno, mas o tratamento recomendado não surtiu efeito. Após uma biópsia, o diagnóstico foi o mesmo de Bob Marley: melanoma acral. Essa demora deixou o tratamento mais complexo. Rodrigues passou por uma cirurgia para a retirada do tecido comprometido e, depois, teve que fazer um enxerto.
Antes de receber o diagnótico, Rodrigues não tinha ouvido falar sobre esse tipo de câncer. “Eu nunca pensei que poderia ter esse melanoma, porque eu só ouvia falar sobre melanoma em pele branca.” Para ela, que é negra, essa falta de informação pode custar vidas. “E eu acho que é um descaso, sabe? De sociedade e de quem trabalha com isso”, aponta ao criticar campanhas sobre câncer de pele que não mencionam esse tipo da doença. “O melanoma acral é super perigoso. É uma vida que está ali correndo risco.”
Ela afirma que, se tivesse visto informações sobre a doença antes, teria descoberto mais cedo. Rodrigues se recuperou bem da cirurgia e, há 4 anos, está curada.
Para fazer um diagnóstico precoce, o dermatologista Guilherme Gadens afirma que a população negra deve estar atenta aos sinais da doença como manchas escuras na palma das mãos, nas solas dos pés ou sob a unhas. “Por exemplo, uma faixa bem escura na unha, que nós chamamos de melanoníquia, pode ser um problema.”
Há ainda outro motivo que atrasa o diagnóstico de câncer de pele em pessoas negras: uma falsa sensação de segurança. De acordo com a dermatologista Katleen Conceição, chefe do Ambulatório de Pele Negra da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, o que causa esse sentimento é a proteção natural proporcionada pela melanina. “As pessoas pensem que quem tem pele negra não têm risco de câncer de pele e isso é um erro”, diz.
Ainda que seja menos comum, o câncer de pele se manifesta e provoca a morte de negros. Entre junho de 2021 e junho de 2022, segundo informações do DataSUS, 1.221 brasileiros morreram em decorrência da doença. A maior parte eram brancos (702), seguidos por pardos (331), pretos (40) e amarelos (7). Os outros 141 óbitos não tem detalhamento de cor. Apesar de não proteger contra o melanoma acral, o filtro solar é eficaz na proteção contra outros tipos de melanoma e de carcinomas, que são a forma mais comum do câncer de pele.
Além de usar o produto e apostar em barreiras físicas como chapéus, bonés e roupas compridas, Conceição afirma que pessoas que se expõe ao sol com frequência devem redobrar a atenção com a própria pele e procurar acompanhamento médico caso observem manchas pelo corpo. O diagnóstico do câncer de pele é feito por meio de exames clínicos e biópsia.
FolhaPress