JÉSSICA MAES E JOÃO GABRIEL
SÃO PAULO, SP E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um dos passos mais aguardados na área da política ambiental do governo federal foi dado no último dia 10, quando o MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima) publicou a nova versão do PPCDAm -ou Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal.
O documento, que fica em consulta pública até 26 de abril, mostra o mapa que deve guiar as ações do governo para a proteção da floresta amazônica nos próximos quatro anos.
Criado em 2004, o PPCDAm teve quatro atualizações até que, em 2019, foi descontinuado por Jair Bolsonaro (PL). A medida foi desfeita em janeiro deste ano, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Marina Silva (Rede) publicaram um decreto reinstituindo o plano, que chega agora à sua quinta versão.
“O plano tem como objetivo fornecer as bases para alcançar a meta de desmatamento zero até 2030”, afirma o documento.
Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que o novo PPCDAm é melhor do que suas versões anteriores, avançando em pontos que deram certo no passado e trazendo inovações. Apesar disso, ponderam que falta um maior detalhamento da execução das ações e a elaboração de metas intermediárias para os objetivos traçados.
Em 82 páginas, o texto recupera o histórico do plano e traça um retrato do cenário ambiental atual do país, com índices de desmatamento em um patamar muito alto, estrutura de fiscalização fragilizada e falta de pessoal nos órgãos governamentais.
Um dos novos pontos destacados é a associação entre o desmatamento e a alta incidência do crime organizado. Associada ao tráfico de drogas, a atuação de organizações criminosas intensifica os conflitos por terra e a violência.
Para o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, isso gera uma preocupação a mais, por elevar o grau de perigo das ações de combate ao desmate.
“Desde 2022, cresceu o número de desmatamentos de grandes proporções, que custam milhões de reais, exigem muito capital. Há um crescimento exponencial dos grandes desmatamentos associados à grilagem, que é um recurso da especulação imobiliária e virou um negócio em grande parte financiado por dinheiro do crime organizado”, diz.
O plano elenca ainda outras cinco mudanças significativas no padrão da destruição da floresta: interiorização do desmate; reconcentração do desmatamento em grandes áreas; redução da governança estatal em áreas protegidas; persistência do crime ambiental nas cadeias produtivas; e aumento da degradação florestal.
“Esse plano tem a mesma estrutura das versões anteriores, mas o diagnóstico do problema é diferente -e está muito bem feito”, afirma a socioambientalista Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, voltado à regulação e a riscos climáticos.
“O texto reconhece, por exemplo, que a expectativa de legalização do desmatamento cresceu nos últimos anos e afetou a expectativa de ganhos com a grilagem.”
Outro ponto ressaltado pela especialista é o diagnóstico das novas fronteiras do desmate. O limite que era conhecido como arco do desmatamento deixou as bordas do bioma para chegar mais perto do coração da floresta em estados como Amazonas, Pará e Acre, em especial ao longo de rodovias federais, como a BR-163, a BR-230, a BR-319 e a BR-364.
Como em versões anteriores, a estratégia para o enfrentamento da destruição é divida em quatro eixos: atividades produtivas sustentáveis, monitoramento e controle ambiental, ordenamento territorial e fundiário e instrumentos normativos econômicos.
Paulo Barreto, pesquisador associado do Imazon, avalia que os pontos mais efetivos no passado foram as ações de fiscalização (no jargão, chamadas de ações de comando e controle) e fundiárias (com a criação de áreas protegidas).
“No setor econômico, foi importante uma resolução do conselho monetário nacional de não prover crédito para quem não cumpria as regras ambientais”, diz. “Já na área de apoio a atividades sustentáveis não houve grandes avanços.”
Este último ponto é uma das correções que a nova edição tenta fazer, dando ênfase a iniciativas de bioeconomia e desenvolvimento sustentável como ferramentas para manter a floresta em pé.
“Eles estão colocando a emergência da bioeconomia em primeiro plano”, diz Unterstell. No entanto, ela avalia que esse modelo de desenvolvimento só vai conseguir prosperar se houver redução significativa no desmate.
Isso porque o produto produzido ilegalmente acaba sendo mais barato. “Se não resolver a questão do desmatamento, o produto da bioeconomia não compete no mercado.”
Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama (2016-2018), também elogia o novo documento, mas aponta que esse e outros eixos precisam ser reforçados.
“A fase de consulta pública ganha importância justamente para os especialistas e a sociedade em geral poderem sugerir como os quatro eixos do plano têm que ter atenção, não só a fiscalização ambiental”, diz.
Araújo acrescenta que o papel de fiscalizar não é apenas da União. “O que fica claro, hoje, é que o eixo de monitoramento e controle precisa ser ampliado e contar com a participação dos estados.”
Questionado sobre o envolvimento dos estados da Amazônia Legal na elaboração do texto, Capobianco afirmou que a versão preliminar é “um plano do governo federal”, mas que existe aproximação do ministério com os governos locais.
Barreto destaca como uma vantagem da nova versão a inclusão de uma ideia de predição do desmatamento, para que ações acontecem em etapas iniciais da destruição da floresta.
O novo PPCDAm se propõe a, além dos alertas de desmatamento por satélite, monitorar indicadores de intensidade de degradação florestal e utilizá-los para organizar a fiscalização.
“O que vem ocorrendo em muitos lugares é que o primeiro passo do desmatamento não é derrubada, porque ela é muito facilmente captada pelo satélite. O primeiro passo vem sendo a degradação da floresta, eliminação da flora, derrubada de parte das árvores para ocupação, jogar semente de capim para a área degradar rapidamente e só então derrubar”, explica Capobianco.
Por outro lado, um ponto que deveria ser incrementado no plano, opina Barreto, é o monitoramento das cadeias produtivas e a responsabilização de grandes indústrias, em particular na agropecuária.
“A atividade que mais desmata a Amazônia é a pecuária”, diz. “Alguns frigoríficos grandes fizeram um acordo com o Ministério Público Federal para checar de onde vêm os bois que eles compram. Mas eles compram o boi gordo e nem todo o gado nasceu ali. Muitas fazendas de engorda compram gado de fazendas de cria, que muitas vezes não são monitoradas. Então não há o rastreamento completo do gado”, completa.
O pesquisador avalia ainda que muitos elementos do texto do novo plano funcionam como uma espécie de “lista de tarefas” que carece de maior estruturação. A visão é compartilhada por Unterstell.
“Nós temos que saber o quê, quando, como, com quem, com qual esforço esse plano vai ser implementado. Tem que ter tanto metas para as ações quanto métricas para avaliação delas”, afirma ela, que espera que esses pontos sejam contemplados na versão final do texto.
“Tendo em vista que o governo quer zerar o desmatamento até 2030, temos que saber o que vai acontecer até lá e como isso se liga com as metas climáticas.”
Araújo, no entanto, vê que o detalhamento operacional pode ser elaborado em um momento posterior. “O importante é que haja muita transparência sobre o que, concretamente, cada ministério, cada órgão, vai fazer.”