*André Ferretti
A emergência climática pode ser considerada o maior desafio da humanidade neste século sob diferentes pontos de vista. Mas, infelizmente, o Brasil e o mundo ainda estão muito aquém dos esforços necessários para restringir o aquecimento global dentro do limite de 1,5 grau Celsius até o final do século. Todos os países precisam ampliar o nível de ambição dos seus compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa, pois a Organização das Nações Unidas (ONU) já reconheceu que, mesmo que as nações cumpram os compromissos firmados no Acordo de Paris, poderemos ter um aumento médio da temperatura global em 2,4 graus até o final do século.
O atual ritmo de elevação da temperatura média do planeta pode parecer pequeno, mas se não formos capazes de restringir o aquecimento dentro dos limites estabelecidos nos acordos internacionais as consequências serão gravíssimas. Eventos climáticos extremos que já estão se tornando mais frequentes devem castigar duramente as populações ao redor do planeta, principalmente em comunidades mais vulneráveis e mais pobres, e o desequilíbrio dos ecossistemas em todo o globo trará prejuízos incalculáveis à totalidade dos seres humanos.
No entanto, atuar de forma consciente e responsável diante desse cenário vai além da busca pela redução das emissões de gases de efeito estufa. Ao mesmo tempo em que todos os países devem ampliar seus esforços na direção de uma economia de baixo carbono, é fundamental direcionar investimentos para a adaptação às mudanças climáticas que serão inevitáveis nos próximos anos, mesmo que o cenário mais otimista para a redução das emissões seja concretizado.
O primeiro passo é identificar as regiões e comunidades mais vulneráveis e planejar intervenções necessárias para reduzir impactos que podem ser causados por inundações e secas prolongadas, por exemplo. Esse olhar não pode estar presente apenas em fóruns de cientistas e especialistas, mas deve fazer parte imediatamente do planejamento de cada município brasileiro.
Enquanto a redução da mitigação das emissões exige um olhar global, com a necessidade de estabelecer compromissos a partir da compreensão de que as emissões em qualquer ponto do planeta têm o mesmo impacto na atmosfera, a adaptação tem que ser implementada de forma local, em cada país, estado, município, comunidade ou bairro.
A elaboração de estratégias para a adaptação às mudanças climáticas não deveria ser uma prioridade apenas do poder público. Sabemos que ainda não há planejamento e nem recursos públicos suficientes para fazer frente a esse desafio, por isso o apoio do setor privado é essencial. O Investimento Social Privado poderá ter um papel muito relevante a partir da compreensão de longo prazo de que os ecossistemas saudáveis são condição para a sustentabilidade dos negócios.
Exemplo interessante de atuação local para ações de adaptação às mudanças climáticas é o Movimento Viva Água, que reúne empresas, órgãos governamentais e organizações da sociedade civil em duas regiões metropolitanas importantes do Brasil, a bacia do Rio Miringuava, na Grande Curitiba (PR), e a região hidrográfica da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
Por meio de projetos de restauração, recuperação e valorização de áreas naturais estratégicas para a segurança hídrica e proteção da biodiversidade, contando também com investimentos em práticas mais sustentáveis na agricultura, entre outras ações, o movimento está contribuindo para melhorar a qualidade e a quantidade de água disponível em seus territórios, beneficiando todo o conjunto da população.
Os empreendedores e investidores do campo e da cidade podem – e devem – fortalecer iniciativas de agricultura regenerativa, como práticas agropecuárias de baixo carbono, e contribuir para a implementação de Soluções Baseadas na Natureza (SbN) e infraestrutura natural para melhorar a qualidade de vida nas regiões metropolitanas, como parques lineares, paredes e telhados verdes, ampliação de áreas verdes para reduzir as ilhas de calor, jardins de infiltração, combate à desertificação, jardins ou lagoas para tratamento de esgoto e outros rejeitos líquidos, entre outras iniciativas que utilizam a natureza como inspiração.
As mudanças climáticas devem nos levar a uma nova agenda de desenvolvimento, e não apenas a algumas medidas de compensação. Precisamos compreender que os impactos da mudança global do clima são um grande fator de risco para todos os tipos de negócios. Projetos de adaptação, financiamento climático e perdas e danos para compensar os impactos na vida das pessoas mais vulneráveis devem ser prioridade, mas também é fundamental investir em inovação, geração de novas tecnologias e produtos que possam entregar mais sustentabilidade para as cadeias dos negócios e para a vida das pessoas.
*André Ferretti é gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN)