ADÃO RIBEIRO
Na primeira década dos anos 2000, um paranavaiense de coração poeta, que fazia arte apesar das dificuldades, me explicou o porquê insistia na cultura e teimava retratar Paranavaí, o Noroeste e o Paraná nas suas letras e no seu inseparável violão. Seu nome: Paulo César de Oliveira, o gentil Paulinho do Gralha Azul, falecido em agosto de 2018 em acidente de barco enquanto pescava no seu amado Rio Paraná. Para reforçar o seu pensamento, se baseou no gigante russo Leon Tolstói, escritor que viveu entre 1828 e 1910. Diz Tolstói: “Canta tua aldeia e cantarás o mundo”.
Apropriando-me, com o devido crédito, da conversa com o Paulinho, inicio a singela homenagem do Diário do Noroeste aos 70 anos de emancipação político-administrativa de Paranavaí.
O hino do município, com letra de Geraldo Marques e melodia de Carlos Cagnani, diz em seu estribilho:
“Nasceste sob o signo da vitória
Que os filhos teus souberam conquistar
És a um só tempo a evolução e a glória
Cidade que não pode mais parar!”
Quando criança, estudante da Escola Curitiba, fui ao velório do professor Cagnani, realizado no salão nobre do Colégio Estadual. A professora de Língua Portuguesa entendeu ser importante a participação dos alunos, pois se tratava, em alguma medida, de fazer história. Obrigado, professora.
Paranavaí viveu ciclos econômicos a partir da sua colonização. Teve o auge do extrativismo com exploração da madeira, o auge do café, a pecuária extensiva. Também conheceu a tragédia e geadas marcantes como as de 1953 e 1955, além da “geada negra”, de 1975.
Para retratar a história do município, recorremos a um texto já clássico do professor Saul Bogoni, falecido em maio de 2020. Saul foi professor de Língua Portuguesa e jornalista, além de pesquisador da história regional.
Vamos ao texto:
Antes, muito antes de receber o batismo com o nome de Paranavaí, em meados da década de 40, foram registradas passagens de colonizadores por esta região. As primeiras notícias se confundem com a própria história do Brasil. Desde antes do “achamento” do território, as duas principais potências da época – Portugal e o Reino de Leão, Castela e Aragão (que, unidos através dos reis Afonso e Isabel, constituíram a Espanha) – já definiam entre si a quem pertenceriam as novas terras descobertas. Assim, fizeram vários tratados, entre eles o de Tordesilhas em 1492.
Por esse tratado grande parte das terras do atual Estado do Paraná (90% do território paranaense. A linha perpendicular nascia à altura de Belém do Pará e descia até além de Paranaguá) pertenceriam à Espanha. Inclusive Paranavaí.
Tanto que as primeiras tentativas de colonização do Noroeste do Paraná foram feitas por espanhóis vindos do Paraguai.
Aí entram os padres jesuítas Antonio Ruiz de Montoya, Dias Taño e Simão Maceta. Estes foram expulsos da região por volta de 1631 pelos bandeirantes paulistas encarregados de “prear” os índios para o trabalho escravo e conquistar novas terras, além de descobrir minas de ouro para os portugueses de São Paulo. Com 12 mil índios aldeados nas reduções que existiam na região – sendo as principais as de Nossa Senhora de Loreto e Santo Inácio Mini, situadas na foz do Rio Pirapó, afluente do Paranapanema, na região de Jardim Olinda, Santa Fé, ltaguajé e Santo Inácio – os jesuítas foram expulsos para Guaíra, onde chegaram a se juntar 20 mil índios, e de lá para o Rio Grande do Sul – para a redução de Sete Povos das Missões, então futuro município de Santo Ângelo. Alguns ficaram no Paraguai, outros na Argentina. Menos de metade chegou ao destino. Muitos ficaram pelo caminho, vítimas de doenças, acidentes ou viraram repasto para as feras. Padre Montoya escreveu uma obra editada na Espanha sobre o êxodo. Nos séculos seguintes, tanto as forças do Paraguai quanto do Brasil continuaram realizando incursões pela região, usando o caminho dos Rios Paraná, Paranapanema, Pirapó, Ivaí, Tibagi e Iguaçu, ou mesmo o lendário caminho de Peabiru, pré-colombiano, que se iniciava no Peru, atravessava a cordilheira dos Andes e ia até São Vicente, em São Paulo, passando por Foz do Iguaçu, Guarapuava e Ponta Grossa. Dele saíam ramificações para vários pontos, entre elas a que demandava do Oeste do Paraná para o extremo Noroeste, em cuja direção chegou a ser traçada uma estrada oficial, que passava por São João do Caiuá, Santo Antonia do Caiuá, rumo a São Paulo.
O caminho de Peabiru foi utilizado pelo explorador Pero Alvares Nunes Cabeza de Vaca que, partindo do Litoral de Santa Catarina, subindo pelo caminho de Viamão (que se iniciava nesta cidade gaúcha e servia para levar alimentos até Minas Gerais), rodou o Estado e foi descobrir as Cataratas do Iguaçu.
O caminho era conhecido dos índios, que atribuíam a sua construção a “Pai Sumé”, que os jesuítas transformaram em “São Tomé”. Os índios xetás – um ramo do tronco tupi-guarani – que dominavam a região Noroeste do Paraná, concentrados em Serra de Dourados, hoje estão quase extintos, restando oito sobreviventes, segundo pesquisa anunciada dia 15 de fevereiro de 1999 pela antropóloga Carmem Lúcia da Silva, da Universidade Federal do Paraná.
Portugal e Espanha definiram o “dono” do território pelo Tratado de Santo Ildefonso em 1777 e, assim, Paranavaí não ficou pertencendo ao Paraguai.
Com o quinhão assegurado, sem ouro, sem pedras preciosas ou outros atrativos, houve desinteresse pela exploração do território, só retomada em 1810, dois anos depois da chegada da Família Real encabeçada por dom João VI, ao Brasil, que autorizou a concessão de sesmarias no sertão paranaense.
André de Pádua Fleury, terceiro presidente da Província, enviou expedições exploradoras aos Rios Paranapanema, Tibagi e Ivaí, a fim de estudar as ligações fluviais até Mato Grosso.
Seguiram-se revoluções, revoltas, independência do Brasil do jugo português, tentativas de criar territórios independentes do Governo Central, proclamação da República e criação do Estado do Paraná, desmembrado de São Paulo.
Espremidos em seu próprio território e ansiosos por expandir suas propriedades, os paulistas iniciaram a migração para o Paraná, iniciando aqui a expansão das lavouras de café. Numa entrevista publicada pelo Diário do Noroeste em 1977, Natal Francisco – um dos fundadores do Atlético Clube Paranavaí e do primeiro Estádio, onde atualmente é a Praça dos Pioneiros – disse que em 1902 já havia plantação de café por aqui e a região era conhecida em Presidente Prudente, de onde vieram os irmãos Francisco, como “Fazendinha”.
A cultura do café predominou até a década de 70, quando ganhoaram espaço a pecuária e a mandioca e aos poucos foi surgindo a laranja. Na época havia também culturas de algodão, milho e feijão, que atraíram para cá indústrias de grande porte, como Matarazzo, Esteves e McFaden.
A sequência de disputa de terras na região levou o Governo a legislar sobre o assunto, concedendo terras a companhias colonizadoras, surgindo aí a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), como concessionária da Companhia São Paulo-Rio Grande do Sul, a partir de 1920, sendo iniciada seis anos depois a construção de uma estrada partindo do Rio Pirapó até o Porto São José.
A criação do Distrito Judiciário na Vila Montoya em 1929 e as notícias de terras férteis e gratuitas, para quem delas quisesse tomar posse, atraíram novas levas para a região. Desta vez, gente vinda do Nordeste – Bahia, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte, Ceará. A maioria foi dizimada pela febre amarela e a região voltou a ficar desabitada em 1931, quando o Governo do Estado, retomando as terras, autorizou a abertura de loteamento, 10 anos depois, em 1941.
Como a região de Paranavaí ficou fora do contrato da Companhia de Terras Norte do Paraná (que colonizou Maringá, Cianorte, Cruzeiro do Oeste e Umuarama, entre outras) e depois se transformou em Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, o Governo fez por conta própria a colonização da região, contando para isso com o trabalho de um jovem desbravador vindo de Mato Grosso: Telmo Ribeiro. Este comandou a abertura das estradas para o Porto São José e para Maringá, estendendo-se depois até Rolândia, além de abrir a sede do local conhecido então como Fazenda Brasileira, projetada pelo engenheiro Alexandre Beltrão, cujo nome está ligado também à fundação de Tamboara e outras cidades da região.
Fora da planta original da cidade de Paranavaí, o primeiro loteamento aberto foi o Jardim São Jorge, que abrangia a área da fazenda de propriedade de Telmo Ribeiro, que também teve o mérito de ser o primeiro a preocupar-se com a arborização das ruas, como se podia ver até há alguns anos, nos principais trechos daquele loteamento.
Em torno de Telmo Ribeiro existem muitas lendas, boas e más, que costumam ser ligadas a nomes de desbravadores.
Uma delas é de que mantinha com armas em punho a ordem na Fazenda Brasileira. Lei, nem havia. Quando criança, ouvia os velhos contarem que aqueles que não obedeciam ou cometiam algum crime eram fuzilados. Nas disputas pessoais, ele ainda gravava a letra “T”, na testa do desafeto. Isto ouvíamos quando criança e brincávamos na sede da Fazenda do Estado.
Houve tempo em que ninguém saía da Fazenda Brasileira. O único caminho era o Porto São José, no Rio Paraná. Quem trabalhava nos cafezais ou vinha de São Paulo e Mato Grosso vender gêneros alimentícios, inclusive gado, recebia o dinheiro em dia. Mas não conseguia atravessar o Paranazão de volta. Era roubado, morto e jogado no rio.
Em 1977, quando entrevistei um dos principais companheiros de Telmo Ribeiro, no período mais difícil da colonização, Frutuoso Joaquim de Salles, já falecido, ele disse que era só lenda e deu um perfil bem diferente de Telmo.
Frutuoso me recebeu junto com Alcides Loureiro em sua residência no Jardim São Jorge, em meio a selas e artigos de tropeiro, que ele ainda fabricava, apesar da idade. E disse que Telmo Ribeiro pegou fama por causa do homicídio contra Alcides de Sordi. O jovem líder político, então com 21 anos, foi derrotado pelas lideranças locais governistas em 1947, quando a Fazenda Brasileira se tornou Distrito de Mandaguari, sendo eleito primeiro vereador, Otacílio Egger. As divergências políticas se acirraram. Telmo mandou chamar Sordi à delegacia (que funcionava anexa à Prefeitura, localizada no mesmo ponto onde é atualmente) para uma conversa e, depois de grande discussão, ele recebeu um tiro nas costas, ao deixar o local. Havia outros pioneiros na sala e Frutuoso disse que não teria sido Telmo quem atirou. Mas ele assumiu a autoria do disparo, foi julgado e condenado a 12 anos de prisão num primeiro julgamento e absolvido num segundo.
Apesar da repercussão do assassinato, Telmo ainda continuou como “capitão” na Colônia, influenciando decisões políticas e administrativas, já que era o “homem forte” designado por Moisés Lupion para abrir o trecho. Ele participou ativamente ainda de campanhas para transformar Paranavaí em município e nas eleições do primeiro e do segundo prefeitos, o médico José Vaz de Carvalho e o agrimensor Ulisses Faria Bandeira. No início dos anos 60, desgostoso com muitos acontecimentos e com a perda de poder, em função até mesmo da situação estadual, Telmo Ribeiro transferiu residência para Maringá. Morreu em 1966 assassinado em Cornélio Procópio. A fama de rápido no gatilho provocou a antecipação do disparo por parte de um desafeto. Ele estava dentro do carrinho Ford 1929, quando recebeu o tiro no peito, que antes varou a lataria da porta do veículo, e ele caiu morto no banco, relatou em 1977 em entrevista ao Diário do Noroeste o seu amigo Ulisses Faria Bandeira.
Ficou famoso outro episódio envolvendo o padre João Guerra, que celebrou a primeira missa na Fazenda Brasileira, em 1944, na residência de Valdomiro de Carvalho (Av. Distrito Federal, esq. com Paraíba). Os últimos anos da década de 40 foram de desentendimentos políticos. E por causa disso, os políticos pioneiros, que queriam continuar dominando, não aceitavam o surgimento de novas lideranças, como de Sordi, ou reprimendas como as do padre João Guerra.
Atiçaram um movimento para expulsá-lo daqui e conseguiram. Irado, o padre foi embora, rogando pragas e maldições, sendo sucedido em 1951 por frei Ulrico Goevert.
Depois de a região ser chamada de Fazendinha, Gleba Pirapó, Vila Montoya, Fazenda Brasileira e Colônia, Paranavaí recebeu o nome definitivo em 1947. As lideranças achavam Fazenda Brasileira um nome desgastado e ligado a assassinatos, explorações, enfim, de má fama onde quer que fosse pronunciado.
O nome Paranavaí – Então, na noite de 16 de junho de 1947, preparando-se para uma seresta, o futuro vereador Octacílio Egger e o futuro prefeito Ulisses Faria Bandeira – o cantor do grupo – e outros companheiros, começaram a estudar um nome. Entre vários, acabaram optando pelo nome formado pela junção dos topônimos indígenas “Paraná (grande rio)+Paranapanema (rio sem peixe)+Ivaí (rio de água suja, barrenta), adotado pelos índios que habitavam a região da Serra dos Dourados, no Noroeste paranaense.
As geadas de 1953 e 1955 trouxeram desalento à região, por terem dizimado os cafezais, principais fontes de renda da população. As lavouras foram retomadas, mas o café recebeu o golpe de misericórdia com as geadas de 1975 quando já cedia lugar às pastagens.
Nesta época o café já havia se tornado improdutivo e os cafeicultores, atolados em dívidas, exigiam dinheiro do Governo Federal. A solução que este encontrou foi promover a erradicação, pagando para isso aos cafeicultores preços que às vezes eram superiores ao valor da própria terra.
O acesso a esse dinheiro era condicionado ao plantio de cereais por cinco anos, a partir do que seria permitida a formação de pastagens. Sabe-se que o prazo não foi respeitado, o que acelerou a penetração da pecuária.
A pluralização de culturas – gado, mandioca, laranja, milho, feijão e o ressurgimento do café, além da recente implantação da citricultura e indústrias de sucos – estão firmando a agricultura como geradora de riquezas na região de Paranavaí, paralelamente à moderna indústria, novo “point” da economia mundial, que Paranavaí tem estabelecido como nova meta de seu desenvolvimento.
(Texto: Saul Bogoni)